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Postagens

Disposição

Resolvemos de modo consensual retomar algumas coisas que fazíamos antigamente, entendendo não que o patamar do olvido nos servirá como uma espécie de ajuda ou bote salva-vidas vindo de onde menos se esperava, mas simplesmente que consistirá numa atividade bacana de se fazer num fim de semana ou mesmo durante a semana, quando, com muito pouco no bolso além do necessário a quatro ou cinco cervejas, saíamos à caça de algum bar da cidade, ambos ligeiramente estranhos ao que viria, e o que viria nos parecendo vagamente verossímil. Assim as coisas eram naquele tempo: vagamente verossímeis. 

Noite dos campeões

Finalmente consegui acessar a salvaguarda de todo o lastro intelectual capaz de ser comprimido no pedacinho de cartolina mais importante já inventado pelos códigos de civilidade humana: o diploma.   Não o próprio, mas uma declaração que servirá como passaporte interino enquanto o cozimento do oficial não fica pronto nas fornalhas do conhecimento acadêmico. Foi tudo simples. Assinei um papel pouco antes do início da cerimônia, recebi instruções genéricas de uma funcionária da universidade, fui avisado de que não poderia ter dívidas com a biblioteca e que os documentos necessários ao pedido de entrada eram aqueles mencionados no folheto amarelo anexado à declaração. Feito isso, espere 45 dias. A chancela não ficará pronta antes. Então, a funcionária me dispensou com um sorriso. Tentei adivinhar o que ela havia comido no café da manhã, se tinha filhos, se perdera alguém importante na vida, qual a sua posição mais confortável na hora de dormir, se gostava de jogos de...

Cenas de carnaval III

O vizinho grita alto, outro conversa com a empregada doméstica, é aposentado, branco, ela é negra, jovem e fumante, usa short bem curto, o vizinho tem o braço na tipoia, quer perguntar o que houve mas recua, não seria uma boa ideia parecer excessivamente condescendente, anda devagar no corredor sempre checando as moitas no terreno baldio cujo muro banguela não impede que os assaltantes da área saltem e dividam ali, debaixo das barbas de todo mundo, os despojos do roubo,  na última vez em que isso aconteceu ficou apenas olhando, fumando e olhando, acendeu dois cigarros em sequência, intimamente cogitou que tal ato pudesse endereçar aos contraventores uma mensagem subliminar explícita de intimidação, suspeitou até que os cinco rapazes correriam quando finalmente percebessem, “vejam, ali há um homem que não teme”,  ledo engano, escolheram o canto mais escuro do terreno e lá, obedecendo a critérios que não pode entender, agachados feito bichos, ratearam os objetos amealhados em a...

Cenas de carnaval II

Está numa caverna quando a primeira de uma série de criaturas estranhas aparece, ela carrega uma arma, de longe não vê qual arma, se revólver ou faca, à medida que se aproxima, porém, descobre tratar-se de uma lança, a criatura, um hominídeo horripilante, mostra os dentes num esgar cruel, num golpe de machado, então, decepa-lhe a cabeça, fazendo jorrar sangue por todos os lados. Acorda, vê que tinha dormido além das cinco horas programadas, prepara café, passa geleia numa bolacha salgada, liga o computador, checa mensagens, a primeira avaliação do dia, franze o cenho, abre cinco abas no navegador, duas de redes sociais e as outras três de jornais, começa a maratona que realiza todos os dias para se manter sempre informado, afinal é o seu trabalho, vive disso, depende de saber mais que as outras pessoas sobre muitos assuntos, mas nada tão aprofundado quanto fazem crer as postagens no Twitter, por exemplo, ou as conversas nas mesas de bar, quando aproveita para impressionar a platei...