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Jamais demorem a amarrar os cadarços

Fui ali e não voltei. Fiquei na estrada, me perdi, parei pra amarrar os cadarços do tênis enquanto todos caminhavam.  Agachei um pouco, a vista escureceu, não cheguei a desmaiar, mas foi o suficiente pra perder contato visual com o restante do grupo, que se distanciou sem que eu percebesse e no entanto ter sido deixado pra trás não me causou tanto espanto quanto deveria, a julgar por minhas próximas ações, a saber: Desamarrar os cadarços mentalmente, eleger o tronco de uma árvore perto como o mais bonito e intrincado tronco de árvore jamais visto, entender que não há mais nada para entender e, o instante reluzente de tudo isso, checar as horas apenas por gosto e não por pressão, exatamente como quem não espera algo que não virá, mas o que virá, e de maneira tranquila percorre as prateleiras do supermercado detendo-se de tempos em tempos numa embalagem bonita de achocolatado. Logo me pus novamente de pé, a coluna espichada, cabelo assanhado pelo vento. Fazia um dia boni...

Republicando

Do que tô falando quando falo sobre o que falo

Foi a melhor maneira que encontrou, ciente de que a melhor nem sempre é realmente a melhor, mas a possível. Eventualmente não a possível, mas a que está ao alcance. E raramente não ao alcance, mas a que exigirá menos esforço. E muitas vezes menos esforço não significará necessariamente menos energia, mas algo mais fácil, um gasto elevado e imperceptível de energia. E mais fácil nem sempre se confundirá com ausência de dificuldades ou de obstáculos severos, desses capazes de fazer tropeçar, ralar joelhos e cotovelos e lacerar  partes diferentes do corpo  com níveis de crueldade matizados numa escala de zero a 100. Mais fácil, em alguns casos, é como a única escolha possível parecerá.  

Republicando (é o quê que é?, também de novembro)

Coro de respostas. coração é um engenho. Um engenho perigoso, saudoso, oneroso, anguloso. Um engenho recorrente, quente, ausente, pertinente, intermitente. coração é o gênio. Gênio banal, anal, sacal, boçal, causal – dispensa causa, concentra-se nos efeitos. coração é gerência. De temas, nomes, pele, cheiros. Software livre, privado, privatizado, privativo, priápico, programado para matar, matar-se. maltratar-se.

Republicando (2/11/2011)

TEMA DA REDAÇÃO :  Quanto de arbitrariedade e de talento e de ciência há em ser feliz? Instruções::: 1. Escreva uma dissertação com o mínimo de 20 linhas e o máximo de 25 dizendo o que pensa sobre o assunto. Seja sincero, escreva o que geralmente seus professores não pedem que escreva. Recomenda-se rascunhar o texto em um caderno de brochura antes de partir finalmente para a redação em si. 2. Mais algumas recomendações. Use caneta azul ou preta de ponta porosa, jamais rasure ou utilize corretivo, não consulte o colega ou a colega para trocar ideias quanto à forma ideal de apresentar seu trabalho. 3. Qualquer forma é forma, qualquer trabalho é esforço reconhecido pedagogicamente. 4. Lembre-se: seja coerente, coeso e confiável. Nunca conspire, nunca se acovarde. 5. Cumpridas todas as exigências e recomendações supracitadas, tome do papel. Amasse-o. Isso mesmo: amasse o papel. É terminantemente proibido fazê-lo em picadinho ou queimá-lo ou, antes de degradá-lo...

Sem ironias

Na imagem acima, a autora do artigo Como viver sem ironia,  Christy Wampole,  em pose que expressa, ironicamente ao mesmo tempo, ambiguidade, sensualidade e inteligência em graus extremos. O texto, publicado originalmente no blog do  The New York Times em 27 de dezembro de 2012,  pode ser lido na íntegra aqui .  O que as futuras gerações farão com esse sarcasmo feroz e com o cultivo descarado da besteira?   A frase me pegou de calças curtas. De minha parte, como representante legítimo do cultivo descarado da besteira, não sei o que dizer. É possível viver sem ironia? A pergunta só pode ser irônica. É possível viver sem indiferença? Plenamente, mas não sem ironia nem besteira, dois ingredientes fundamentais na cultura de qualquer época. Somos mais ou menos irônicos que nossos antepassados? Não sei dizer. “Nova Sinceridade”? Acho pomposo e, se querem saber, pouco atraente, mas bastante necessário nas atuais circunstâncias. Gostaria de...

Mais sobre o 'Barba ensopada'

Não resta dúvida de que o burburinho midiático que se seguiu – e até antecedeu – ao lançamento do romance Barba ensopada de sangue acabou criando uma necessidade urgente de referendá-lo desde já como potencial candidato a história do ano – quiçá de uma geração. Era uma tentação que se justificava também pela alta expectativa que nasce a cada novo trabalho do paulistano Daniel Galera, autor de Cachalote e Mãos de cavalo . Assentada a poeira da novidade, porém, às vozes que saudaram o quarto romance do escritor com pouco mais que entusiasmo e histeria, misturaram-se outras, talvez mais preocupadas em entender como todo o virtuosismo estilístico do autor não foi suficiente para impedir que Barba ensopada não se confirmasse como a grande aposta literária. O livro narra a história de um professor de educação física gaúcho que sai à procura do avô, morto em Garopaba, no litoral de Santa Catarina. Sem nome mencionado ao longo dos acontecimentos, o protagonista, incapaz de r...