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Fantasma

Faltavam quatro minutos pra meia noite quando o caminhão encostou, parando totalmente ao lado do monturo, e dele saltou um homem pequeno, não mais que um 1,60 m, que se pôs a trabalhar, primeiro lentamente, depois num ritmo que sugeria automatismo. Em 20 minutos, retirou, a golpes de pá, todo o lixo acumulado na esquina da avenida. Em seguida, voltou à boleia do caminhão, onde o motorista dormia à sua espera. O homem pequeno cutucou o motorista no braço. O motorista despertou. Parecia acostumado a tirar esses cochilos breves, portanto não houve susto, apenas um leve movimento de pálpebras que pode ser interpretado como equivalente àquela sacudida de corpo que o cachorro promove ao se molhar. Algo para espantar o sono que se avizinhava. O caminhão foi embora. Amanhã, durante todo o dia, a esquina voltará a encher-se de lixo. À meia noite, uma caçamba, não se sabe se a mesma, irá estacionar do lado direito da avenida.

NESSE EU CONFIO! (avulsos AERO)

A MORAL SEMPRE ERETA Francis Santiago e Ruilivínio Bento& Silva A grandeza de um político não reside na robustez de suas propostas nem em seu caráter excelso quando à frente da máquina pública. A explícita demonstração da musculatura de um candidato, a inequívoca expressão de sua excepcionalidade enquanto pessoa humana & homem democrata encontra-se invariavelmente em sua capacidade de fazer eleger um sucessor. Não obstante as regras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) advoguem o contrário, esse sucessor pode, na contemporaneidade, ser não apenas fantoche, mas também fantasma. Apenas em condições extremas ele será um ente inanimado. Um poste sem serventia, por exemplo. O caso não é de todo desinteressante. No atual contexto político cearense, impõe-se a reflexão sobre as possíveis vantagens de uma gestão que fosse orquestrada por um poste de luz elétrica como esses tantos que se veem à beira da Zé Bastos secundados por levas de travestis exibicionistas arrebitando seus p...

TEFLON ASSASSINO

A espuma laranja da panela do macarrão, o novo jogo de copos, o pano de coar rasgado, a torneira de giro emperrado. Na vida doméstica, todas as torneiras deveriam ser hidráulicas. Como a direção hidráulica. É feriado, faz um sol danado, é o mesmo sol que se diverte queimando todo mundo à sombra. Mais um patamar do condomínio foi erguido da noite para o dia. Disseram que a imobiliária vendeu todos os apartamentos em 16 horas, um feito notável. Cada imóvel custaria 800 mil reais. São duas famílias por andar, o que, pelos padrões atuais, significa dizer quatro filhos, quatro carros, umas seis televisões e muitos computadores. Ligaram do banco outro dia. Em seguida, ligaram da locadora. Foram dispensados com muxoxos. A voz, um fiozinho enleado. Sugere carência energética. Trata-se da atávica tendência a comunicar nesse idioma miúdo. “Falar pra dentro.” É assim que se referem, irritados, fulano é legal, mas fala tão pra dentro que dá nos nervos. Falar pra dentro não é ser...

Questiunculinhas

Parêntese: havia tempos não dava uma boa caminhada ao longo de toda a extensão do calçadão da Beira Mar. Reparei a falta no final da noite de ontem, já amplamente dominado pelo sentimento de culpa depois de ter comido um portentoso sanduíche. E que lugar horrível, santos deus! Maltratada, nossa orla é uma confusão dos diabos, uma feira livre como as que se armam precariamente nos quatro cantos da cidade, só que pior: há essa cercadura de prédios a empatar a vista, os ventos, a vida. Uma concertina formada por megaedifícios embicando a poucos metros da faixa de areia, equivalentes dos pega-ladrões feitos de caco de vidro e pregados aos muros de antigamente. É o lugar mais opressivo da cidade. O mais feio também. Não há beleza que resista a esgoto correndo sem tampa, ocupação irregular (de ambulantes e donos de restaurantes) e poluição visual e sonora – o brinquedo cintilante atirado às alturas, a matraca que gira e produz lixo sonoro, o carro de som que troveja o próximo show de hum...