Hoje na médica passei um tempo calado tentando lembrar quando tinha sido a última vez que havia ido a um consultório, mas desisti porque de fato fazia bastante tempo, de maneira que me senti adormecer numa viagem a outra era geológica.
Não sei se um clínico geral ou dentista ou dermatologista, porque houve esse momento em que os cabelos estavam caindo num ritmo que eu julgava acelerado mesmo para os padrões de quem perde cabelos desde muito jovem e se acostumou a vê-los se juntar no ralo do banheiro ou sobre o tampo da mesa, dentro de um livro.
A médica perguntou então como eu estava, eu respondi que não sabia, e de fato era uma resposta sincera, eu não faço a menor ideia de como esteja, embora me sinta bem, nada pode assegurar, senão um exame minucioso, que tudo se passe nos conformes, que a autoimagem se ajuste ao corpo, que o corpo em si exista como eu o imagino.
Ela disse que pessoas como eu, que não vão médico, costumam supor que estão bem, que têm uma saúde de ferro, e o modo como disse pessoas como eu me fez pensar numa tribo, num conjunto seccionado de seres humanos para quem a saúde se decide na cabeça de cada um, em processos neuronais controlados por forças desconhecidas.
Mediu-me de cima a baixo, pediu-me que sentasse, que retirasse os sapatos, que deitasse, apalpou a barriga, pediu que respirasse e depois soltasse com vagar, prendeu ao braço uma cinta que inflou e em seguida desinflou vagarosamente.
Descubro agora que tenho 1,73 metro e não 1,70 m, a estatura que me habituei a ter desde sempre e a qual repetia se me perguntavam qual era a minha altura, o número que o professor de educação física havia anotado numa caderneta quando tinha 17 anos.
Peso 79 kg, estou acima do peso e com índice de massa muscular também além do normal, segundo atesta esse documento que recebi das mãos da médica, que me disse “segure, é seu”, como se me entregasse um filho a quem eu estivesse rejeitando e não aquele papel com o desempenho estatístico do meu corpo.
Mãos e pernas e braços e barriga traduzidos em algarismos, métricas que devem ser lidas e daí compreendidas e finalmente enunciadas: afinal, como eu estava?
Tenho mais exames pela frente, uma série de longos procedimentos de praxe, mas, como não me submeto a qualquer escrutínio médico desde muito tempo, não existe praxe, tudo é uma novidade, mesmo a urina colhida e o teste em jejum feito nas primeiras horas do dia.
Antes de sair da sala da médica, sorri para o cocô sorridente em cima da estante ao fundo.
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