Não o deus, mas o vilão, o responsável por um quase-trauma para a criança de 10 anos que eu era, fã de Careca porque ainda não havia Romário nem 1994. Então, naquele 1990, eu parei ao lado da vó pra ver Brasil e Argentina.
A vó era minha parceira de jogo. Vimos as partidas decisivas do Brasil, além das finais, em 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010, mas não o Sete a Um. Esse, não, a vó morreu antes. Não passou esse vexame. Hoje penso no que teria dito diante do Thiago Silva chorão e do Galvão catatônico.
No começo, porém, nada disso existia. Era apenas o Brasil de 1990. Era Careca, principalmente, o nosso craque. A vó xingava muito vendo TV. Canalha, fdp, pnc, coisas do tipo, uma vulgaridade que contrastava com a figura de vó de desenho da Disney e com outras avós que eu conhecia. Só a minha falava palavrão daquela maneira, um traço que involuntariamente assimilei.
Naquele jogo, especialmente, a vó xingou. Muita bola na trave, muito grito de gol engasgado. Nenhum título, evidentemente. O último tinha sido em 1970, dez anos antes de eu nascer. Duas décadas de seca, que ainda duraria mais quatro anos, mas isso eu não sabia.
A única coisa que eu sabia era que o Brasil ganharia com um gol de Careca. A vó também acreditava nisso, dizia até que tinha sonhado com o lance, uma bola dividida na área que espirrava e caía nos pés do craque. No sonho, pelo menos.
Na real mesmo, depois de muita pressão do Brasil, um canhoto conduziu a bola por uns bons dez metros no meio do campo, talvez mais, atraindo quatro jogares amarelos, que deixaram livre um “hermano” correndo do outro lado. Era Caniggia.
O canhoto, então, faz sua mágica: numa jogada curta, típica de futebol de salão, deixa o companheiro livre, que não tem dificuldade para driblar Taffarel e chutar ao gol. Era o fim.
Eu chorei. A vó soltou um “puta que pariu”, levantou da cadeira e foi mexer com as panelas na cozinha. Jurou, entre pragas e danações, nunca mais ver um jogo da seleção. Me deixou na sala sozinho vivendo o primeiro luto futebolístico da minha vida.
Revi o jogo ainda muitas vezes, e a cada vez que assistia eu torcia para que Taffarel apanhasse a bola, Caniggia chutasse pra fora ou, antes disso, um zagueiro fizesse falta no canhoto. Mas nunca conseguiram pegá-lo.
O canhoto era Maradona, claro, e eu o odiei por muito tempo, não apenas por me fazer sofrer, mas por ter feito minha vó chorar. Só muito mais tarde entendi quem era Maradona, e aí passei a admirá-lo.
Em 1994, porém, fiquei feliz ao vê-lo deixar o gramado levado pelo braço pelo que parecia uma enfermeira a fim de prestar o exame antidoping, se me lembro. Era o fim da Argentina, eu tinha certeza. Aquele 1990 não se repetiria.
Do meu lado, a vó, que nunca perdoou Maradona e o chamava de "pequeno diabo", sorria de orelha a orelha. Ela também sabia que o canhoto não era deste mundo. Sem ele, podíamos ter esperança de que o Brasil ganharia. Como de fato ganhou, mas isso é outra história.
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