Trocar de óculos é uma
experiência. Altera o rosto. De repente, você é outra pessoa, os olhos se amiudando
atrás de uma armação diferente da que costumava usar, o incômodo de parecer um
alheio, um duplo de si – mas quem? A pessoa do óculos é e não é você, como o
gêmeo siamês naquele retrato da festa de 15 anos. Eu a conheço? Talvez não,
talvez sim. Vejo-a na imagem e lembro de dez anos atrás, quando passou no
oculista logo depois de dilatar a pupila e sair trôpego pela avenida enxergando
apenas borrão. O segundo par: desenho fino, uma bossa nos sobrolhos e as
hastes num marrom esmaltado cafona. Tinha 30 anos então, mas parecia ter 40. Sempre
foi velho. Bola pra diante. Naquele momento, a moda era aparentar mais idade,
mas agora que tem mais idade, escolheu um modelo mais jovial. Nada colorido ou
de aro muito adelgaçado, porque pode torcer e se partir com facilidade, basta esquecê-lo no sofá.
Queria um mais barato, então indicaram a loja dos evangélicos, ali no Centro. Foi até lá. Meio-dia. Algaravia de pernas, vuco-vuco de sacolas, língua estalando de sede. Mas qual loja de crente? Era uma colada na outra, todas a cópia da anterior, sempre a mesma vendedora na porta a perguntar o que fosse e a puxar pela manga da camisa. Os tipos também não mudavam muito. Experimentou três pares. Dois o deixaram com cara de abestado. O terceiro caiu bem. Sentiu-se ele mesmo, sendo já outro. Como quando foi a uma festa usando a roupa emprestada do primo mais velho, lhe perguntaram o nome e respondeu Carlos, apenas Carlos. Agora novamente o si mesmo fugia, escapava como água no ralo do banheiro. Sem o de dentro, era a casca que se alterava diante dos olhos.
Pagou os óculos, que ficaram prontos em quatro dias, um recorde em toda a Pedro Pereira, segundo disse uma gerente que lhe ofereceu um suco de caju tão gelado que deixou a língua dormente. Saiu de lá andando às cegas, ora achando que tinha comprado errado, ora se convencendo de que era o certo, parando de tempos em tempos em frente a uma vitrine a ver como tinham ficado em si – bem ou mal? Não sabia. Perguntou à filha, que tampouco respondeu com convicção – pai, está diferente. A esposa saiu-se melhor. Disse que ganhara uma graça e até certa boniteza, mas, afinal, era a esposa falando, e não uma banca imparcial formada por três avaliadores sem relação com o candidato, de modo que resolveu deixar tudo isso de lado e passou a gostar desse estranho que havia conhecido quando deixou a loja e pôs os pés na rua.
Queria um mais barato, então indicaram a loja dos evangélicos, ali no Centro. Foi até lá. Meio-dia. Algaravia de pernas, vuco-vuco de sacolas, língua estalando de sede. Mas qual loja de crente? Era uma colada na outra, todas a cópia da anterior, sempre a mesma vendedora na porta a perguntar o que fosse e a puxar pela manga da camisa. Os tipos também não mudavam muito. Experimentou três pares. Dois o deixaram com cara de abestado. O terceiro caiu bem. Sentiu-se ele mesmo, sendo já outro. Como quando foi a uma festa usando a roupa emprestada do primo mais velho, lhe perguntaram o nome e respondeu Carlos, apenas Carlos. Agora novamente o si mesmo fugia, escapava como água no ralo do banheiro. Sem o de dentro, era a casca que se alterava diante dos olhos.
Pagou os óculos, que ficaram prontos em quatro dias, um recorde em toda a Pedro Pereira, segundo disse uma gerente que lhe ofereceu um suco de caju tão gelado que deixou a língua dormente. Saiu de lá andando às cegas, ora achando que tinha comprado errado, ora se convencendo de que era o certo, parando de tempos em tempos em frente a uma vitrine a ver como tinham ficado em si – bem ou mal? Não sabia. Perguntou à filha, que tampouco respondeu com convicção – pai, está diferente. A esposa saiu-se melhor. Disse que ganhara uma graça e até certa boniteza, mas, afinal, era a esposa falando, e não uma banca imparcial formada por três avaliadores sem relação com o candidato, de modo que resolveu deixar tudo isso de lado e passou a gostar desse estranho que havia conhecido quando deixou a loja e pôs os pés na rua.
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