Há dias procuro um livro
específico que não sei qual é, mas a bagunça das estantes não tem ajudado.
Reviro as pilhas, inspeciono as lombadas, checo atrás das prateleiras
abarrotadas e reabro portas de armários há muito fechadas. Nada. Não está lá.
É um livro de capa fina, dessas
que dobram e amassam facilmente e nas quais há uma infinidade de marcas de
dedos de todas as pessoas que manusearam o livro antes de mim, uma cadeia de
gestos da qual não sei nada, mas intuo apenas de olhar.
São impressões invisíveis, subcutâneas.
Se o folheamos, de dentro desprende-se um cheiro antigo, odor de mãos e pele e
objetos esquecidos, nódoas que foram se acumulando – uma de café, outra de uma
substância que não consigo identificar, mas que associo a manteiga ou a algum
produto gorduroso, vinho ou a oleosidade do próprio corpo, que varia conforme a
geografia e a hora do dia. Não recordo a história desse livro hipotético.
Na verdade, não mantive um
fiapo de nada do enredo nem dos personagens, tampouco sei-lhe ao certo as cores
– se verde por dentro ou por fora, amarelo por cima e azul por baixo. Tenho apenas
a vaga noção de que deveria encontrá-lo em algum ponto da sala ou do quarto,
entre as torres de pequenos volumes nunca lidos que fui juntando e os que
efetivamente li ao longo deste ano, que se organizam em menor quantidade e me
observam taciturnos de um lugar remoto da casa, certos de que a vida é essa
conversa sem fim.
Todavia, não é fácil achar
coisas perdidas, e esse livro, pelo que sei, já deveria ter aparecido, eu imagino
que sim, mas mesmo em relação a isso não tenho tanta certeza. Foi o que li no
meu horóscopo, que esse livro ora aparece, ora desaparece, como um bóson de
Higgs, aquela partícula que pode perfeitamente estar aqui ou ali. Como não sou
tão bom em investigar rastros, mapeá-los até a origem, identificar o ponto de
partida e daí em diante recompor um fio de meada, espero que o livro surja por
si, a exemplo desse sinal que carrego no braço esquerdo. Fui dormir e, ao acordar,
ele existia.
No caso desse volume em especial,
contudo, um de folhas já muito gastas e de pouca serventia, as extremidades
esmerilhadas que às vezes rasgavam os dedos, tenho falhado até agora. Ou ele
tem falhado comigo. Ou ambos falhamos consigo. Apesar dos fracassos que se
sucederam, os quais anoto diligentemente desde o dia em que entendi que o livro
tinha se perdido de fato, permaneço alerta, olho ao redor, inscrevo nas paredes
as mínimas alterações de rota.
Uma hora, quando menos esperar,
ele vai aparecer ao lado de uma revista ou sobre a escrivaninha, atravessado
como um desses gatos que se esticam no tampo da mesa antes de dormirem. Ou
feito uma muda de roupa que supúnhamos para sempre extraviada porque não a
víamos desde fevereiro ou março, mas estava lá, sempre lá.
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