Diz-se vulgarmente forró das antigas sobre esse
cancioneiro já passado, que marcou época nas casas de show como Três Amores e
também nas vãs do transporte alternativo. O forró cuja marca principal é o
desamparo amoroso, a queda súbita na agonia da falta desse outro que se evadiu,
a saudade marcada a fogo no corpo.
Ao contrário do que o nome sugere, porém, o forró
das antigas não passou. Permanece atual, falando ao presente como a boa música
que é. Responde às demandas do agora com as mesmas letras glicosadas que
transpunham para o ritmo característico as dores e impasses do ente apaixonado
daqueles anos 1990, quando boa parte dessa produção se firmou e os adultos de
hoje eram apenas adolescentes.
Veja-se o exemplo da Noda de Caju, uma banda cuja
singularidade começa já na corruptela do próprio nome e se estende a seus
sucessos que ecoam tanto tempo depois, como é o caso de “Pétalas neon”. Ao piano suave que abre a canção, certamente
dedilhado numa performance visceral nos DVDs ao vivo, segue-se a clássica
vinheta (“Se apaixone como nunca com Noda de Caju, o vício do forró”) para, só
então, começar de fato a música, um hino de qualquer forrozeiro que se preze
ontem, hoje e sempre.
“Pétalas neon” decanta, em poucos minutos, o
temário de todo o forró das antigas: o interdito amoroso, a quebra do
encantamento, o sentimento do equívoco diante da tentação e a promessa, nunca
concretizada, de retorno ao idílio inaugural. É, por assim dizer, uma súmula de
época e cartão de visitas, porta de entrada e de saída do universo do forró
ultrarromântico e intenso desses anos em que a desmedida passional era o
principal atributo dos relacionamentos e no qual o ímpeto inconsequente era uma
qualidade não apenas pessoal, mas estética (que outro artista teria ousadia
suficiente para rimar “basta olhar no céu azul e dizer I love you”? Nem Tom Zé).
Ora, a explicação para esse destemor musical reside
no fato de que o forró das antigas nasceu nesse contexto de comunicação
precária, sem mensagens instantâneas, no qual os enamorados tinham de aguardar
o fim de semana e o baixo custo das ligações telefônicas para falar sob preço
de apenas um pulso. Entre o amante e seu objeto de desejo, portanto, erguia-se
um mundo de obstáculos, da dificuldade de transporte até as complexas
engrenagens das agendas sociais.
É nesse ambiente e imbuído desse espírito docemente
iconoclasta que foram escritas letras inesquecíveis, como “Me usa” (Momentos de amor/quero com você...), da
Magníficos; “Hoje à noite” (A noite passa
devagar/Estou aqui deitado só), da Calcinha Preta; e “Diga sim pra mim” (Então case-se comigo numa noite de luar/Ou
na manhã de um domingo a beira-mar), da Desejo de menina.
Três portentos do forró das antigas, essas bandas
representam a quintessência do gênero. Um encontro entre elas seria como
reunir, num mesmo seminário, Heidegger, Benjamin e Wittgenstein. Ou ver jogando
no mesmo time Romário, Zidane e Pelé.
Nada se compara, todavia, a “Planeta de cores”, do
Forrozão Tropykália, uma música tão especialmente única que merece uma crônica
apenas para ela – metade para falar da canção e a outra metade para reconhecer
no timbre 80% anasalado do vocalista um dos pontos mais altos do forró das
antigas.
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