É bom que os homens estejam
conversando sobre masculinidades. Há de fato muito a ser dito, coisas que fomos
empurrando pra debaixo do tapete nesses quase 40 anos de vida (meu caso) nos
quais aprendemos (eu aprendi) a disfarçar certas coisas (a chorar, por exemplo)
e encará-las como vergonha porque admiti-las era como colocar um alvo nas
costas na hora do recreio (que eu evitava).
A gente tinha medo (eu tinha)
de parecer fraco como de fato era, mas uma hora passei ao outro lado, ou seja,
entendi que coragem e brutalismo podiam estar a meu favor. E então decidi que
essa virilidade, antes contida, viria a calhar no dia a dia.
Eu tinha 14 anos e havia
acabado de chegar ao bairro novo, onde mais uma vez eu andava escondido com
medo ora dos caras mais fortes e mais velhos, ora de assaltantes. Aí apareceu esse
sujeito com quem até então eu só tinha trocado duas palavras. Tão sério quanto
podia, ele disse: se você continuar assim, será massacrado no bairro, “todos
vão cagar” (perdão pela palavra) em cima de você.
Eu não queria que ninguém
cagasse em cima de mim, a imagem em si de alguém defecando sobre meus cabelos
era suficientemente nauseabunda para me levar a fazer algo enquanto havia
tempo. De modo que, dali em diante, eu fui de vítima a algoz, de alvo a ameaça,
de veado atravessando a savana a predador pronto a dar o bote.
Tudo isso levou apenas o tempo
suficiente para que eu entendesse esse mundo em que disputas de jogo de bola, paqueras
com garotas ou tiradas jocosas com os nomes das mães frequentemente terminavam
em trocas de socos. Eu aprendi a bater. Briguei. No começo timidamente, depois
com mais desenvoltura, até que não precisava mais impor a força física, mas
apenas a retórica ameaçadora. Embora continuasse o mesmo de antes, eu aparentava
energia extra, algo que jamais imaginei que conseguiria fazer em toda a vida.
Nunca me senti tão integrado ao mundo do macho como naqueles anos do começo da
adolescência.
Mas o mundo do macho é escroto,
a gente sabe, eu sei, vocês sabem. Entre o exercício da dominação física e a
predação afetiva, por exemplo, há uma fronteira muito tênue que os homens (como
eu) reiteradamente cruzaram e continuam a cruzar, encarando o esgotamento do
parceiro ou da parceira do mesmo modo como encaravam (encarávamos) a sujeição
do menino mais fraco (sobre isso, sugiro O fim de Eddy). Pelo simples fato de que podíamos fazer.
Então, quando topo com homens que
me convidam agora a repensar uma noção de masculinidade que todos aprendemos e
da qual gostamos ou gostávamos porque era confortável e nos ajudava a exercer esse
domínio de força e sentimento, é de fato uma coisa extraordinária.
Foi também por isso que escrevi
hoje. Pra dizer: caras, há um problema sério na forma como uma boa parte dos
meninos que éramos passou a se comportar quando adultos. Nossa potência (a
minha) virou uma coisa tóxica sobre a qual fazemos bem em discutir, ainda que,
no primeiro momento, a gente tenha dificuldade de chorar.
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