Há dias procuro um livro
específico que não sei qual é, mas a bagunça das estantes não tem ajudado.
Reviro as pilhas, inspeciono as lombadas, checo atrás das prateleiras
abarrotadas e reabro portas de armários há muito fechadas. Nada. Não está lá. É
um livro de capa fina, dessas que dobram e amassam facilmente e nas quais há
uma infinidade de marcas de dedos de todas as pessoas que manusearam o livro.
Se o folheamos, de dentro desprende-se um cheiro antigo, odor de mãos e pele e
objetos esquecidos, manchas invisíveis que foram se acumulando – uma de café,
outra de uma substância que não consigo identificar, mas que associo a
manteiga ou a algum produto gorduroso. Não recordo a história. Na verdade, não
mantive um fiapo de nada do enredo nem dos personagens, apenas a vaga noção de
que deveria encontrá-lo em algum ponto do quarto, entre as torres de pequenos
volumes nunca lidos que fui juntando e os que efetivamente li. Todavia, não é
fácil achar coisas esquecidas, e esse livro, pelo que sei, já deveria ter
aparecido. Sou bom nisso. Investigar rastros, mapeá-los até a origem e,
mediante algum esforço, identificar o ponto de partida. Mas, no caso desse
livro em especial, tenho falhado até agora. Apesar dos fracassos que se
sucederam, permaneço alerta, atento a qualquer possibilidade de que o livro
resolva aparecer por si. Uma hora, quando menos esperar, ele vai surgir ao lado
de uma revista ou sobre a escrivaninha, atravessado como um desses gatos que se
esticam no tampo da mesa antes de dormirem.
Outro dia, por razão que não vem ao caso, me vi na obrigação de ir até a Cidade 2000, um bairro estranho de Fortaleza, estranho e comum, como se por baixo de sua pele houvesse qualquer coisa de insuspeita sem ser, nas fachadas de seus negócios e bares uma cifra ilegível, um segredo bem guardado como esses que minha avó mantinha em seu baú dentro do quarto. Mas qual? Eu não sabia, e talvez continue sem saber mesmo depois de revirar suas ruas e explorar seus becos atrás de uma tecla para o meu computador, uma parte faltante sem a qual eu não poderia trabalhar nem dar conta das tarefas na quais me vi enredado neste final de ano. Depois conto essa história típica de Natal que me levou ao miolo de um bairro que, tal como a Praia do Futuro, enuncia desde o nome uma vocação que nunca se realiza plenamente. Esse bairro que é também um aceno a um horizonte aspiracional no qual se projeta uma noção de bem-estar e desenvolvimento por vir que é típica da capital cearense, como se estivessem oferec...
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