Gosto e desgosto da festa de fim de ano. Os
fogos, sim; a passagem, não. Tem uma explicação. Quando criança, uns cinco
anos, a mãe convidou pra ver o ano passando. Era 1986.
Me chamou no quarto e disse desse jeito:
venha ver o ano, meu filho. Eu fui. Afinal, queria ver o que se passava quando um
ano acabava e outro começava.
Na minha cabeça, era visível esse momento no
qual um período de 12 meses entregaria a outro a responsabilidade pela sorte de
todos e depois seguiria pra casa, alquebrado mas satisfeito porque finalmente
conseguira dar entrada nos documentos para se aposentar – sob a gestão de Temer,
imagino que os anos tenham mais dificuldade de finalmente cumprirem sua cota de
contribuição.
Acompanhei minha mãe pelo corredor até a rua.
Eu esperava que essa passagem do ano fosse um pouco como o crepúsculo. O sol
caindo ou nascendo, a escuridão chegando ou indo embora, o céu matizado de
laranja. E finalmente o dia ou a noite, plenos. Ou seja, um fenômeno que eu
pudesse enxergar enquanto se desenrolava. Afinal de contas, não se chamava passagem à toa – algo ali findava para
que outra coisa começasse.
Minha grande decepção e tristeza foi
descobrir que não era assim que funcionava, e o ano passava sem que de fato
passasse. A mudança de número no calendário era arbitrária, medida em tempo
regulado por relógios de pulso como o que eu usava no braço esquerdo, sujeitos
a oscilações nos segundos e nos minutos, o que fazia com que alguns amigos soltassem
bombas rasga-latas antes de mim.
Ora, se o ano chegava antes para o Paulinho, essa
brincadeira não tinha a menor graça, eu pensava. Havia algo de muito errado. Logo
parei de esperar por esse desfecho com ansiedade e às vezes até me amuava. Era
um dia como qualquer outro. Em protesto contra a alegria materna, que se
renovava ano após ano, chegava a dormir poucas horas antes da meia-noite do dia
31. Foi somente depois de adulto que fiz as pazes com esse grande acordo global
que é a crença em que o tempo é uma matéria mutante.
Entendi finalmente o que havia de beleza na ideia
de que os dias se esgotem para que outros nasçam em seu lugar. E não eram os
fogos de artifício, que mais atrapalhavam do que ajudavam porque desviavam as
atenções para as explosões de cores e formas nos céus.
Era o fato de que o tempo transcorria de modo
distinto para cada pessoa. E cada uma vivia essa transição à sua maneira. A
boniteza do fim era o desacordo entre os relógios. A diferença de segundos e
às vezes até de minutos produzia uma percepção que, por irrisória que fosse,
era responsável, em última instância, por fazer de cada um de nós quem éramos. E todos ali tinham algo em comum: eram crias do tempo.
Portanto, quando a mãe disse "filho, venha ver o ano passando", ela tinha razão. Ele de fato passava. Eu é que ainda não tinha aprendido a enxergar o que vai para além dos olhos. Para mim, o tempo ainda era um estirão infinito, coisa sem dobra ou vinco. Para ela, era substância concreta, estriada, atravessada ora de amargor, ora de doçura.
Portanto, quando a mãe disse "filho, venha ver o ano passando", ela tinha razão. Ele de fato passava. Eu é que ainda não tinha aprendido a enxergar o que vai para além dos olhos. Para mim, o tempo ainda era um estirão infinito, coisa sem dobra ou vinco. Para ela, era substância concreta, estriada, atravessada ora de amargor, ora de doçura.
Por isso festejava. Por isso a euforia e as lágrimas nos olhos. Porque talvez os meses tivessem sido duros e ela agora era feliz. E por isso me chamava sempre a estar do lado de fora no momento exato da passagem.
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