Toda casa tem um cheiro, é como uma pessoa. Essa foi a
grande descoberta da minha infância. Os amigos liam quadrinhos e viam filmes de
caratê, eu pedia licença antes de entrar na sala dos outros e aspirava o ar
demoradamente. Uma tinha cheiro de cozinha, comida recém-preparada, temperos,
óleo, fritura. Outra, de construção, reboco, cimento, tinta fresca, solvente.
Todas eram diferentes da minha, cujo odor não podia
distinguir. Se casas são pessoas, quando estão próximas de mais, a gente se
acostuma com o cheiro e passa a não diferenciar. Como a gente é parte dele, ninguém
sabe ao certo qual o cheiro que tem.
Mas a casa dos outros é diferente. Eu, por exemplo, gostava muito
do cheiro da casa dos meus primos, que misturava roupa lavada e café. Na casa
do Luciano, predominava o cigarro que a mãe fumava e na do Rafael, um amaciante
característico, forte o bastante pra ser sentido do lado de fora. O Anderson,
um amigo mais velho, tinha cheiro de graxa, gasolina e pneu – a casa e ele
também. Filho de um mecânico de automóveis, carregava esse cheiro aonde quer
que fosse, mesmo banhado e perfumado. Era como uma segunda pele.
Uma vez perguntei ao Paulinho o que sentia quando entrava na
minha casa. Paulinho era meu melhor amigo até os 11 anos. Ele foi sincero:
produtos de beleza e galinha. Minha mãe tinha um salão na entrada e minha avó,
uma criação de galinhas e patos no quintal. Em algum ponto, esses dois cheiros
se encontravam e formavam uma coisa só, que até então eu achava que fosse
apenas o cheiro da nossa casa, um sabor da gente mesmo. Um cheiro que passava
por banheiro e guarda-roupa, percorria a sala, o quarto sempre trancado onde
meus pais às vezes passavam horas, e finalmente chegava à porta, que era onde o
Paulinho tinha diagnosticado com precisão de sommelier a nebulosa odorífica.
Esse era o RG da nossa casa. Cremes para cabelo e galinhas.
Um dia, já adulto e trabalhando como jornalista, encontrei um
vendedor ambulante oferecendo essências para a casa. Tinha de tudo nas mãos
dele: alfazema, amadeirada, umas mais neutras, eucalipto e a mais curiosa de
todas: essência de Iguatemi. Pedi pra cheirar o vasilhame. Era como se
houvessem acabado de passar o pano na minha cara. Tinha um cheiro de
ar-refrigerado e lojas abertas, tecidos, calças novas, plástico que embala
eletroeletrônicos, isopor, fastfood e outras notas que não pude identificar -
sacolas, sorvete, refrigerante?
Perguntei se alguém tinha comprado. Muita gente, ele
respondeu. Depois imaginei por que iriam querer transformar sua própria casa
num lugar assim, aonde as pessoas vão a passeio ou apenas pra desfilar uma
roupa nova. Mas entendi que cheiros e casas são como pessoas mesmo: não se
explicam, a gente apenas aceita que sejam desse modo torto e pronto.
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