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Agosto



Ainda sobre a saída de Ivo Gomes do governo Camilo. Escrevi outro dia que a possibilidade de que os Ferreira Gomes estejam planejando se descolar do petismo no Ceará é mais plausível do que considerar a atitude intempestiva do caçula do grupo como mero capricho.

A baixa pode não ser nada, mas pode ser alguma coisa. Tratemos de possibilidades, então.

O PT desidrata no país inteiro. PMDB e PDT, para citar apenas dois partidos da base do governo Dilma, estão de malas prontas para deixar o Planalto. PDT, legenda para onde os irmãos pretendem se mudar, tem votado contra o governo desde o início do ano. Difícil crer que o grupo escolheria uma sigla com passaporte comprado para a oposição sem levar em conta a repercussão que isso teria na política cearense. A não ser que o próprio grupo tenha planos de deixar a base de Dilma...

Outra questão: restando ainda três anos e meio para uma nova eleição, seria realmente inteligente romper com o governo do Estado?

Refaço a pergunta: caso a intenção seja essa, seria prudente esperar três anos e meio para romper com o governo?

Principalmente se o grupo tiver em vista não apenas as eleições de 2018, mas as do ano que vem, quando o prefeito Roberto Cláudio (Pros) tentará a recondução. Até 2016, a Lava Jato terá feito ainda mais estragos do que vem fazendo, e ninguém duvida de que Dilma e o PT, hoje no “volume morto”, possam estar declaradamente inanimados.

Pensando apenas em 2016: o apoio de um governador do PT será um trunfo ou um fardo?

Mais: caso supere o desgaste que a saída de Ivo certamente trará e se mantenha aliada a Camilo, que vantagens políticas a família FG espera obter de um governo que, em seis meses, tratou de expurgar os nomes ligados ao seu padrinho político?

Finalmente: qual o peso que uma eventual candidatura própria do PT ano que vem teria sobre o casamento entre os FG e Camilo? Ou: supondo que RC se bandeie para o PDT e o PDT, para a oposição a Dilma, com que argumentos Camilo defenderá internamente a reeleição do atual prefeito?

Prestes a deixar o Pros, é claro que essas cartas estão na mesa dos irmãos. Qualquer que seja a decisão, ela levará em conta os cenários nacional e local. 

Olhando para fora, a conclusão é inequívoca: nunca foi tão difícil estar na base do governo. Olhando para dentro, a situação também não é boa: nunca foi tão difícil influenciar as ações de Camilo. Juntem-se as duas dificuldades, e tem-se uma razão concreta para uma ruptura. 

A preço de hoje, com base na indefinição que cerca o futuro da presidente, nos desdobramentos da Lava Jato, nos processos que correm no TCU e no TSE, na erosão da popularidade do governo, nos péssimos indicadores econômicos e na queda de braço em torno do apoio à reeleição de RC, vejo mais cálculo político em qualquer gesto de um Ferreira Gomes do que apenas a manifestação infantil de um ego ferido, como sugere a tese de que a falta de verbas – e de prestígio, acrescentaria Luizianne Lins – teria levado o ex-secretário a desembarcar da gestão petista.

Tratemos de esperar agosto, quando o comportamento de Ivo na Assembleia Legislativa será um bom termômetro. 

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