Amigos discutem na rua vazia. Falam sobre a
possibilidade de um dia constituírem família, como seria a vida de cada um, a
quem sairiam os filhos, mais ao pai ou à mãe, que tipo de educação teriam, e
logo fica claro que a série de perguntas passando em rodízio como bolinhas de
peixe servem ao propósito explícito de animar uma conversa de bar. Na prática,
porém, resultam desimportantes.
Pergunto a um homem que fuma encostado à árvore com enfeites de Natal se há por ali uma rua sem saída e se nessa rua há uma casa sem quintal e nessa casa um quarto sem janelas e nesse quarto uma estante e nessa estante um segredo bem guardado por alguém cujo nome ninguém sabe.
Ou eu as julguei desimportantes, dá no
mesmo.
Estava longe o tempo inteiro, dormindo em algum
ponto entre a cama e o corredor, andando de lá pra cá, batucando os nós dos
dedos no ferrolho da porta, checando a que intervalos os televisores ligados
nos apartamentos vizinhos emitiam rajadas de luz, acendendo cigarros, investigando
cada centímetro quadrado do rosto que surge quando de repente a tela do
computador nos devolve uma superfície escura.
E o que vemos quando a tela escurece? É um
rosto alegre ou triste, cansado ou enérgico, atento ou satisfeito?
Na rua vazia uma árvore ainda guarda
enfeites de Natal. É março, quase abril, e o clima não mudou nada desde
dezembro. Suar é um privilégio, portanto suamos, mesmo sem querer.
Chega outra cerveja. A mesa ao lado
silencia. Querem ouvir nossa conversa.
Pergunto a um homem que fuma encostado à árvore com enfeites de Natal se há por ali uma rua sem saída e se nessa rua há uma casa sem quintal e nessa casa um quarto sem janelas e nesse quarto uma estante e nessa estante um segredo bem guardado por alguém cujo nome ninguém sabe.
Ele diz que sim.
Peço, então, que me conte, insisto, apelo,
dramatizo e penso convencê-lo facilmente, o que não acontece, o que jamais
acontece. O homem sacode os ombros e resmunga que não se sentiria à vontade
revelando o segredo, por menor que fosse, e que talvez o melhor, consideradas
as circunstâncias, fosse voltar à mesa, tomar a cerveja que ainda resta no copo
e esquecer por completo qualquer hipótese cuja execução exceda em gasto de
energia a carga habitual destinada aos problemas do dia a dia.
Finjo compreender e saio. Não estava para
enigmas. Vou pra longe, pra bem longe, pra muito longe. É março, quase abril. A
cidade parece suspensa.
Os ventos perderam a força.