É interessante, no mínimo, a genealogia de uma
faxina doméstica, que por vezes se estende também a outras áreas da experiência,
tornando-se nessas ocasiões uma faxina também das ideias, retirando pó dos
móveis mais antigos do inconsciente, alvejando ou simplesmente polindo alguns
poucos vãos antes empesteados e sem tanto uso.
Falo besteira e tergiverso ao mesmo tempo.
De fato a faxina, como começa e termina e tudo que acontece entre os dois
polos, é um objeto de estudo esplendoroso, para usar um termo de que gosto
muito (adoro a pobreza material do sufixo “oso”, que, em última instância, dá a
ideia de abundância).
Embora negligenciada, a faxina presta-se a
análises substanciosas sobre como organizamos nossas vidas, a saber, o conjunto
mais ou menos homogêneo de interações solitárias ou não que ativamos a cada
novo ciclo de 24 horas e que envolve muitas entradas e saídas, personagens,
sentimentos, falas e arranjos afetivos.
A faxina, o faxinar, os objetos que impõem
teatralidade circense ao ato e emprestam ao banal uma cadência totalmente
inesperada, a atividade em si e por si representa o que há de melhor numa vida
que precisa urgentemente de reinvenção, não importando se dela irá derivar algo superior ou inferior.
Digo isso com base principalmente na última
limpeza - um termo bem menos poético que faxina, mas um pouco mais amplo,
abrangendo sem necessidade de explicações outras áreas da existência. Os modos
da faxina mais completa são quase sempre inesperados, gestos simples que
acionam uma infinidade de engrenagens que movimentam molas que empurram êmbolos
responsáveis pela geração de uma energia insuspeita capaz de movimentar um
músculo anônimo.
Retirei um livro do lugar, foi assim que
tudo começou. Horas depois estava às voltas com pilhas de jornais, a poeira do
armário, frascos velhos de xampu, uma rosa totalmente ressecada, revistas de
2010 e 2011, recortes de jornais, cadernos, pôsteres de filmes etc.
Da estante passei à escrivaninha e desta ao
restante da sala, que também funciona como cozinha e lavanderia.
O mais trabalhoso, porém, foi dispor
autores lado a lado, obedecendo a critérios como afinidade temática, dimensões
do livro e editora. Encaixar cada coisa no lugar requer mais que organização,
mais que tempo, mais que energia: requer paciência e alguma dose de heroísmo.
O resultado, pensamento leve, compensa.