Cabeça recostada à janela do ônibus. A posição de lótus na volta do shopping. De repente um rosto que saltava, decalcado. Coração meio tonto, sem catraca, portas giratórias, costumava sorrir, satisfeito. “Não sei dizer”, responderia se lhe perguntassem o que era tão engraçado.
Como se pudesse amar cada rosto que passava, cada mecha de cabelo louro, claro, escuro. Cada estojo escolar, camisa esfiapada, perna de óculos, canto de boca, pulseira de relógio. Como era linda a etiqueta da calça, a marca de vacina, mesmo a carteirinha de estudante fulgurava, e não demoraria até imaginar-se casado, filhos etc., imagem que logo se desmanchava.
Tão infantil, tão adulto, a marca dos 14 um jogo que terminava tocando musiquinha triste enquanto o herói afundava os pés na areia da praia após ter vencido todos os inimigos.
Criança que se apaixonasse tanto, que chegasse ao exagero de amar? Ninguém conhecia no bairro. Uma vez por mês, normal, duas, tolerável, três, mandasse à rezadeira urgentemente. Toda hora, todo lugar? Doidivanas, uma pena. Menina que sorrisse mistério, batata, perfume derrapando na esquina, cabelo recendendo a creme na aula de ciências, covinhas no rosto, dente mais tortinho, letra caprichada no caderno Tilibra, mão que roçava sem querer, farda azul-marinho apertada nas coxas.
Tudo era motivo.
Irrecuperável, concordaria a família. Os primos, nenhum sofria do mal. Então deitava-se mais cedo. Entre sono e vigília, maquinava abordagens na escola, depois da aula, igreja, rua. O imperativo da paixão era falar. Preciso de. Delirante. Um fraco, essa é que é a verdade, medroso, os guris de mesma idade protagonizavam historinhas picantes, a virgindade uma roupa suja deixada pra trás.
Menino romântico, onde já se viu? Quanta besteira.
A música, Still loving you, enchia os ouvidos, acumulava-se no estômago. Antes de saltar na parada, decidia: não entendia tanto amor, que durava apenas o tempo da viagem. Terno, mas infinitesimal, devotado, mas sem explicação.
Em casa, anotaria no bloco pautado: Um objeto acionado por alavancas imaginárias. Isso é amor.
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