
Desculpem, mas vou falar de amor.
Falar de amor é nosso clichê-basilar, nossa senha de conversação, funciona em qualquer espaço, qualquer tempo, irmana classes sociais e faixas etárias diferentes, portanto explanar sobre amor, academicamente ou não, é a chave mestra da sociabilidade, refira-se a amor e será prontamente compreendido, mencione a "sensação de chaleira" que cobre o corpo esmaltado da cidade e um rol quase infinito de gestos em frenético assentimento surgirá rápida e solicitamente.
Flanelinha entende de amor, vendedor ambulante, síndico, taxista, ninguém entende mais de amor que taxista, guarda de trânsito, galego, motorista de ônibus, pedestre, estudante, trabalhador autônomo, frentista, o cara que prepara o frango assado com linguiça e farofa, até o pessoal rico sofre com amor quando tem de descer do Corolla, andar até a entrada de algum restaurante ou quando, ao sair do shopping , recebe subitamente aquela lufada de ar morno, e é como se, pra sacanear suas vidas, o planeta arreganhasse as abas da bunda e liberasse gás amoroso diretamente em suas caras, roupas, relógios.
É mais ou menos assim que se sentem os ricos, os remediados, mas, conforme ia dizendo, o amor é algo que extrapola classes sociais, é democrático, onipresente, onipotente, é talvez a única forma de divindade, autoridade respeitada em todo lugar, se ele está nas ruas, todos saem em procura, é objeto de conversas incessantes nas cozinhas, redes sociais e colunas de jornal.
Embora maltrate pelo, cabelo e, principalmente, nervos, o amor, convenhamos, é justo, e mais que isso, é judicioso. E sobre ele não há muito o que falar, além das bobagens de sempre, no máximo pespegar uma metáfora do tipo: cidade iluminada por 30 lâmpadas de 60 W de potência, cidade-porta-retrato, cidade-lembrança e quejandos.
Assim como o amor, lâmpadas de 60 W produzem mais luz que luz, e isso também não é bom.
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