Francis Santiago
Adjetivo sofisticado, falsamente esponjoso e bastante usado nos mais diversos círculos do pensamento contemporâneo, da esquerda à direita, “fofo” e suas derivações representam o que há de mais líquido na modernidade. De significado impreciso, a palavra é empregada, por exemplo, para caracterizar o intelectual inorgânico, aquele cujo pensamento, em oposição ao definido por Gramsci, tem sabor menta e cheiro de maracujá, além de consistência de geléia de morango.
“Fofo”, por largo uso, abarca um conjunto heterogêneo de fatos e fenômenos. Serve à taxonomia das gentes e lugares. Há um lócus fofo e pessoas fofas. Há também sentimentos fofos, cidades mais ou menos fofas etc. Um lugar bem fofo em Fortaleza: Passeio Público (ver feijoada aos sábados). Outro lugar fofo: Arlindo. Uma avenida fofa: 13 de Maio. Outra: Dom Luís. Mais uma, esta por oposição: Duque de Caxias (ver Disney Lanches). Um suco fofo: abacaxi com hortelã. Um cinema fofo: Dragão do Mar. Um lazer fofo: qualquer festa no Cine Betão ou Lions. Um dia fofo: sábado. Uma hora fofa: pôr do sol. Um sexo fofo: bi. Um credo fofo: todos os credos são fofos.
Um autor fofo: Caio Fernando Abreu. Outro autor fofo: João Paulo Cuenca. Uma banda fofa: qualquer uma que, um dia, foi totalmente vetada porque era a preferida dos nossos pais, mas hoje é tema do filme que está passando em 0,57% das salas de cinema da cidade. Uma cantora fofa: Lulina. Uma ocupação fofa: artista. Outra: jornalista (ver Revista Aerolândia). Outra ainda: cambista. Um corte de cabelo fofo: qualquer corte assimétrico, desengonçado, que insinue travessia desértica.
Uma filmografia fofa: todas que tratem de sertão sob a ótica do fragmento. Outra: uma que tematize o corpo. Mais uma: aquela que investiga culpas ancestrais sedimentadas por eras de recalque. Uma palavra fofa por excelência: afeto. Outra palavra fofa: urbano. Mais uma: genitália. Um mês do calendário fofo: fevereiro. Uma rede social exageradamente fofa: o Twitter. Uma cidade fofa: Recife. Outra cidade fofa: Porto Alegre. Uma fofa em ascensão: Fortaleza.
Uma temperatura fofa: 17° C (ver cidades serranas). Uma estampa de camisa fofa: qualquer uma que sugira férias em algum país balcânico ou escandinavo. Uma renda mensal fofa: R$ 2 mil. Uma expressão facial fofa: “cara de enfado com sobrancelhas arqueadas” (ver Marcelo Mirisola). Uma postura fofa: lótus (ver Buda). Outra postura: pernas cruzadas à feminina (ver escritores em rodas de conversa).
Mesmo vasta, a bibliografia destinada a tão mimoso objeto ainda é precária. Nenhuma obra, por exemplo, associa a noção estrepitosa do fofo às descobertas mais recentes no campo do Novo Pornô Nacional e às investidas da Estética do Senso Urticário. No máximo, classificam as manifestações variadas de fofismo segundo as cores das pulseiras ou dos brincos. Entretanto, de acordo com o acadêmico e cinegrafista amador Elvis Tapajós, largas são as avenidas que levam ao universo cosmogônico descortinado desde que as franjas mais empedernidas cederam e, vergadas, cobriram dois terços da testa do macho alfa.
O que dizem os pesquisadores
Contra
Damião Arantes é pesquisador de temas adjacentes a esse universo estético. Para ele, as fronteiras do campo fofo se alargam 24 cm todos os dias. “É como se, involuntariamente, os praticantes do fofismo se empenhassem numa batalha sem sangue, sem suor, sem lágrimas, mas com muito envolvimento. É tudo blasé, mas, vendo de longe, eles realmente se esforçam para se tornar uma tribo dominante, expandindo seu império como se tivessem 16 anos e jogassem ‘Age of Empires’ madrugada adentro.” Puro exagero ranzinza de Arantes.
A favor
Dominic Francimar da Rocha é pós-doutoranda em Ciências da Lusofonia. Catedrática de Financeira I no Instituto de Pesquisas Aplicadas, no Rio de Janeiro, Francimar admite: o que o homem e a mulher fofos desejam é apenas sublimar por meio da arte cotidiana, a mesma que fagocita elementos da ficção e da realidade, a roda viva do disparate existencial, numa montanha russa sem altos, nem baixos. “Não têm relação alguma com o neopentencostalismo, mas se definem assim (os fofos), como os evangelistas da Nova Idade Média. É um conceito obscuro, como tudo é hoje. Entretanto, num esforço derradeiro de racionalização, posso dizer que essa tribo rarefeita é composta por diversas camadas de significância que implicam num fazer ético determinadamente desumano, mas humano em alguma medida desnorteadora.”
Adjetivo sofisticado, falsamente esponjoso e bastante usado nos mais diversos círculos do pensamento contemporâneo, da esquerda à direita, “fofo” e suas derivações representam o que há de mais líquido na modernidade. De significado impreciso, a palavra é empregada, por exemplo, para caracterizar o intelectual inorgânico, aquele cujo pensamento, em oposição ao definido por Gramsci, tem sabor menta e cheiro de maracujá, além de consistência de geléia de morango.
“Fofo”, por largo uso, abarca um conjunto heterogêneo de fatos e fenômenos. Serve à taxonomia das gentes e lugares. Há um lócus fofo e pessoas fofas. Há também sentimentos fofos, cidades mais ou menos fofas etc. Um lugar bem fofo em Fortaleza: Passeio Público (ver feijoada aos sábados). Outro lugar fofo: Arlindo. Uma avenida fofa: 13 de Maio. Outra: Dom Luís. Mais uma, esta por oposição: Duque de Caxias (ver Disney Lanches). Um suco fofo: abacaxi com hortelã. Um cinema fofo: Dragão do Mar. Um lazer fofo: qualquer festa no Cine Betão ou Lions. Um dia fofo: sábado. Uma hora fofa: pôr do sol. Um sexo fofo: bi. Um credo fofo: todos os credos são fofos.
Um autor fofo: Caio Fernando Abreu. Outro autor fofo: João Paulo Cuenca. Uma banda fofa: qualquer uma que, um dia, foi totalmente vetada porque era a preferida dos nossos pais, mas hoje é tema do filme que está passando em 0,57% das salas de cinema da cidade. Uma cantora fofa: Lulina. Uma ocupação fofa: artista. Outra: jornalista (ver Revista Aerolândia). Outra ainda: cambista. Um corte de cabelo fofo: qualquer corte assimétrico, desengonçado, que insinue travessia desértica.
Uma filmografia fofa: todas que tratem de sertão sob a ótica do fragmento. Outra: uma que tematize o corpo. Mais uma: aquela que investiga culpas ancestrais sedimentadas por eras de recalque. Uma palavra fofa por excelência: afeto. Outra palavra fofa: urbano. Mais uma: genitália. Um mês do calendário fofo: fevereiro. Uma rede social exageradamente fofa: o Twitter. Uma cidade fofa: Recife. Outra cidade fofa: Porto Alegre. Uma fofa em ascensão: Fortaleza.
Uma temperatura fofa: 17° C (ver cidades serranas). Uma estampa de camisa fofa: qualquer uma que sugira férias em algum país balcânico ou escandinavo. Uma renda mensal fofa: R$ 2 mil. Uma expressão facial fofa: “cara de enfado com sobrancelhas arqueadas” (ver Marcelo Mirisola). Uma postura fofa: lótus (ver Buda). Outra postura: pernas cruzadas à feminina (ver escritores em rodas de conversa).
Mesmo vasta, a bibliografia destinada a tão mimoso objeto ainda é precária. Nenhuma obra, por exemplo, associa a noção estrepitosa do fofo às descobertas mais recentes no campo do Novo Pornô Nacional e às investidas da Estética do Senso Urticário. No máximo, classificam as manifestações variadas de fofismo segundo as cores das pulseiras ou dos brincos. Entretanto, de acordo com o acadêmico e cinegrafista amador Elvis Tapajós, largas são as avenidas que levam ao universo cosmogônico descortinado desde que as franjas mais empedernidas cederam e, vergadas, cobriram dois terços da testa do macho alfa.
O que dizem os pesquisadores
Contra
Damião Arantes é pesquisador de temas adjacentes a esse universo estético. Para ele, as fronteiras do campo fofo se alargam 24 cm todos os dias. “É como se, involuntariamente, os praticantes do fofismo se empenhassem numa batalha sem sangue, sem suor, sem lágrimas, mas com muito envolvimento. É tudo blasé, mas, vendo de longe, eles realmente se esforçam para se tornar uma tribo dominante, expandindo seu império como se tivessem 16 anos e jogassem ‘Age of Empires’ madrugada adentro.” Puro exagero ranzinza de Arantes.
A favor
Dominic Francimar da Rocha é pós-doutoranda em Ciências da Lusofonia. Catedrática de Financeira I no Instituto de Pesquisas Aplicadas, no Rio de Janeiro, Francimar admite: o que o homem e a mulher fofos desejam é apenas sublimar por meio da arte cotidiana, a mesma que fagocita elementos da ficção e da realidade, a roda viva do disparate existencial, numa montanha russa sem altos, nem baixos. “Não têm relação alguma com o neopentencostalismo, mas se definem assim (os fofos), como os evangelistas da Nova Idade Média. É um conceito obscuro, como tudo é hoje. Entretanto, num esforço derradeiro de racionalização, posso dizer que essa tribo rarefeita é composta por diversas camadas de significância que implicam num fazer ético determinadamente desumano, mas humano em alguma medida desnorteadora.”
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