Ontem encontrei uma velha no Centro. Digo velha mesmo, sem frescuras. Nada de idosa ou senhora muito velhinha. Velha e pronto.
Estava encostado num poste. Precisamente: esperava o ônibus escondido na sombra mínima que esse poste projetava. Estava bem próximo da base. Além de mim, havia outras seis pessoas distribuídas ao longo da sombra. Até acabar. Uma delas era a velha. Estava bem ao meu lado.
“Olha”, disse. Eu ouvia música. Os ouvidos tapados, a cabeça noutra dimensão. Ouvia alguma coisa melosa, romântica. Pra combinar com dias tão quentes e melosos. A cabeça tinha sido varrida por uma caminhada de dez quarteirões da praça do Ferreira até ali. Havia fumado também. Não costumo fumar, mas, por algum motivo, comecei há dois dias e até agora é o que tenho feito.
Olhei. Era uma árvore. Uma plantinha que nascera sobre a fachada de uma ótica. Estava ali, como se alguém a tivesse plantado exatamente naquele lugar. Tratei de imaginar a coisa. Alguém plantando a árvore sobre a superfície nada fértil de uma fachada comercial. Raízes sobre plástico. Claro, havia um punhado de terra. Isso está fora de questão. NO mais, não é tão raro assim encontrar árvores ou pequenas plantas crescendo em lugares estranhos do Centro. O Centro é precisamente o lugar onde coisas do tipo costumam acontecer. E lá estava uma delas: a planta da fachada. Um amuleto, um totem. A observação tinha a sua cota de imprevisibilidade.
“Olha acolá”, disse a velha novamente.
Era a faixa branca deixada por um avião. No céu, um risco branco, feito de algodão, escorria de um ponto a outro. Visto de onde estávamos, o rastro sugeria que o avião tinha percorrido alguns quilômetros e, sem mais que fazer, esborrachado no chão. Pronto. Todos mortos. Onde a máquina havia caído? Pelo trajeto, talvez em cima da UFC, da OAB ou numa das casas de tolerância da Bezerra de Menezes. Mas se o traço não passasse mesmo de uma ilusão de ótica... Bem, deixa pra lá.
“Nossa, que ônibus demorado.”
Sim, eu sabia. Havia chegado lá antes dela. Talvez cinco, dez minutos. Sentia o calor tanto quanto ela. Lamentava a espera mais que qualquer outro ali. E não dizia nada.
Como não falasse, exceto com movimentos de cabeça que diziam “sim” ou “não”, ela saiu. Foi aporrinhar outro. Digo: foi bater papo com outro. Me deixou ali, plantado. Na sombra. Mas continuou olhando as fachadas, o céu, os fios entrelaçados, a arquitetura fuliginosa do Centro. Via sempre o que nenhum de nós conseguia ver. Ou não procurava ver. Eis o seu ofício. Procurar coisas estranhas num lugar estranho.
Ocorre que, nesse dia estranho, não estava para coisas estranhas.
Estava encostado num poste. Precisamente: esperava o ônibus escondido na sombra mínima que esse poste projetava. Estava bem próximo da base. Além de mim, havia outras seis pessoas distribuídas ao longo da sombra. Até acabar. Uma delas era a velha. Estava bem ao meu lado.
“Olha”, disse. Eu ouvia música. Os ouvidos tapados, a cabeça noutra dimensão. Ouvia alguma coisa melosa, romântica. Pra combinar com dias tão quentes e melosos. A cabeça tinha sido varrida por uma caminhada de dez quarteirões da praça do Ferreira até ali. Havia fumado também. Não costumo fumar, mas, por algum motivo, comecei há dois dias e até agora é o que tenho feito.
Olhei. Era uma árvore. Uma plantinha que nascera sobre a fachada de uma ótica. Estava ali, como se alguém a tivesse plantado exatamente naquele lugar. Tratei de imaginar a coisa. Alguém plantando a árvore sobre a superfície nada fértil de uma fachada comercial. Raízes sobre plástico. Claro, havia um punhado de terra. Isso está fora de questão. NO mais, não é tão raro assim encontrar árvores ou pequenas plantas crescendo em lugares estranhos do Centro. O Centro é precisamente o lugar onde coisas do tipo costumam acontecer. E lá estava uma delas: a planta da fachada. Um amuleto, um totem. A observação tinha a sua cota de imprevisibilidade.
“Olha acolá”, disse a velha novamente.
Era a faixa branca deixada por um avião. No céu, um risco branco, feito de algodão, escorria de um ponto a outro. Visto de onde estávamos, o rastro sugeria que o avião tinha percorrido alguns quilômetros e, sem mais que fazer, esborrachado no chão. Pronto. Todos mortos. Onde a máquina havia caído? Pelo trajeto, talvez em cima da UFC, da OAB ou numa das casas de tolerância da Bezerra de Menezes. Mas se o traço não passasse mesmo de uma ilusão de ótica... Bem, deixa pra lá.
“Nossa, que ônibus demorado.”
Sim, eu sabia. Havia chegado lá antes dela. Talvez cinco, dez minutos. Sentia o calor tanto quanto ela. Lamentava a espera mais que qualquer outro ali. E não dizia nada.
Como não falasse, exceto com movimentos de cabeça que diziam “sim” ou “não”, ela saiu. Foi aporrinhar outro. Digo: foi bater papo com outro. Me deixou ali, plantado. Na sombra. Mas continuou olhando as fachadas, o céu, os fios entrelaçados, a arquitetura fuliginosa do Centro. Via sempre o que nenhum de nós conseguia ver. Ou não procurava ver. Eis o seu ofício. Procurar coisas estranhas num lugar estranho.
Ocorre que, nesse dia estranho, não estava para coisas estranhas.
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