Pular para o conteúdo principal

Avant la lettre ou o Dia em que fomos Michael Moore

Hoje resolvi escrever. Estou assim. Não sei do que se trata mesmo. Apenas que resolvi escrever.

Tivemos uma conversa na hora do almoço. Sentamos, pedimos algumas comidas e bebemos. Foi sério. Falamos do jornalismo. Bem, falamos bem.

Mas o mal-estar segue.

Uma boa notícia. Ganhamos o prêmio da Associação Cearense de Imprensa por um caderno publicado em 17 de agosto deste ano no jornal
O Povo. Não foi na categoria Cultura, como era de se esperar, mas Cidades. Isso mesmo. Nosso caderno dos bairros – seis repórteres visitam bairros estranhos, exóticos e escrevem sobre eles numa perspectiva, digamos, humanizadora (porque não encontro outra palavra) – rendeu um prêmio de cinco mil reais dividido por seis. Menos os descontos.

Tudo subtraído, teremos um Natal recheado. Os panetones e champanhes e perus estão garantidos.

Vejam, jornalismo dá certo. Dá dinheiro. E ainda rende prêmios que nos põem todo prosa, felizes da vida. Agora podemos desfilar alegremente entre os círculos da cidade, acenar “Olá, we’re the champion” e seguir em frente, parar e seguir em frente, parar e seguir em frente até a cãibra no rosto ser imperdoável esteticamente falando e os outros passarem a achar que temos dor de barriga.

Até podemos ser outsiders. “Puxa, nem fomos receber o prêmio, cara!” Atitude descolada, crítica velada, humor fino, fino humor.

Dinheiro recebido, claro.

Quem é besta de recusar? Eu não. Disse logo, tenho três contas de energia esperando a dinheirama cair na conta. Claro que minto. Não deixo mais as contas atrasarem. Mas tenho outras coisas atrasadas aqui. Por exemplo? Faz tempo que não como sushi.

Sobretudo agora, com o inquilino da outra casa mudando-se e entregando as chaves às vésperas do Natal, vamos ter cortes bruscos no orçamento. Sabem, a mulher o deixou na última segunda-feira. Ele é garçom, como meu pai. Como meu pai, foi deixado pela mulher recentemente e precisa encontrar uma casa. Talvez os dois devessem morar juntos. Quem sabe trocar confidências. Afinal, meu pai tem alguma experiência nas duas áreas – mulheres e restaurantes. E ele é jovem o suficiente para repetir os mesmos erros por mais duas ou três vezes.


Ainda bem que ele não lê nada que não seja estritamente de seu interesse.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...

Cidade 2000

Outro dia, por razão que não vem ao caso, me vi na obrigação de ir até a Cidade 2000, um bairro estranho de Fortaleza, estranho e comum, como se por baixo de sua pele houvesse qualquer coisa de insuspeita sem ser, nas fachadas de seus negócios e bares uma cifra ilegível, um segredo bem guardado como esses que minha avó mantinha em seu baú dentro do quarto. Mas qual? Eu não sabia, e talvez continue sem saber mesmo depois de revirar suas ruas e explorar seus becos atrás de uma tecla para o meu computador, uma parte faltante sem a qual eu não poderia trabalhar nem dar conta das tarefas na quais me vi enredado neste final de ano. Depois conto essa história típica de Natal que me levou ao miolo de um bairro que, tal como a Praia do Futuro, enuncia desde o nome uma vocação que nunca se realiza plenamente. Esse bairro que é também um aceno a um horizonte aspiracional no qual se projeta uma noção de bem-estar e desenvolvimento por vir que é típica da capital cearense, como se estivessem oferec...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...