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Um segredo

Ainda sobre a historinha da livraria no sábado, há algo que gostaria de contar. Uma coisa me assombrou, e assombrar é um jeito exagerado de falar, evidentemente. Quando digo "assombrar", quero dizer apenas que algo me surpreendeu tanto que me vi forçado a largar o que estava fazendo, mirar algum ponto distante, como uma nuvem ou um operário empoleirado no alto de um edifício em construção, e pensar no quanto as coisas não são o que achamos que são. Ou pelo menos não apenas o que achávamos que eram, se me entendem. De todo modo, minha cara de bobo era indisfarçável. Imaginem o seguinte: numa tarde quente dessas de dezembro, um senhor queria muito agradar a sua esposa, que estava realmente chateada com ele por causa de uns gastos extras que o marido andara fazendo no comércio da cidade. Nada especial, apenas excessos de um homem estúpido, mas, como eles eram pobres, a mulher se aborrecera. Então, esse senhor inquieto, mesmo sem saber muito bem o que resultaria de toda aq...

Nada há nada lá

Auditório da livraria, Fortaleza, sábado, 17 horas. De pé no centro do palco, o palhaço prepara-se para a árdua tarefa de entreter, por meia hora, cerca de 15 crianças cujas baterias estão com todos os bastõezinhos carregados. Segundo amigos que tiveram filhos recentemente, esses tablets humanoides têm autonomia de 24 horas e só raramente emperram. Pensem nisso com seriedade antes de tomar qualquer decisão. O palhaço não é um tipo imponente. Magricela, veste jaquetinha feita com retalhos de pano coloridos, calça branca de tecido cru e sandálias de couro. A primeira coisa que me vem à cabeça quando o vejo prestes a enfrentar aquela horda de pequenos egos inflamados dispostos em semicírculo é: não queria ser ele. O rapaz não tem mais que um metro e sessenta e cinco de altura. É fácil imaginá-lo num desses shows na Praça Verde do Dragão do Mar, sacudindo-se ao som de uma banda de pífanos. Sorriso engatilhado, pandeiro nas mãos, tamborete sob o pé, o palhaço avisa: se quiserem, a...

Livro das mistificações domésticas

Falando nisso, vale mencionar o conjunto algo desordenado de leituras conduzidas adiante sob nenhum critério razoável, algoritmo ou equação – salvo nome melhor. É chegar, escolher, folhear, cheirar, começar, terminar ao cabo dumas poucas idas e vindas, divertir-se com quantas situações surjam no caminho, tais como: Agora, por exemplo, leio Método Prático da Guerrilha , do Marcelo Ferroni, um livraço mesmo com todas as letras, narração sem frescuras indo direto ao ponto sem tergiversar, sem parar e contar as pipocas do saco, papo retíssimo. Mas, falando nisso, terminei Meus prêmios , que livro, que livro!, reunião dos discursos e relatos do austríaco Thomas Bernhard sobre as honrarias e premiações e demais galardões recebidos ou recusados ao longo da vida, textos curtos, alguns mais, outros menos, mas bastante incisivos e cômicos, só lendo. Outra coisa formidável por esses dias é Em trânsito , do Alberto Martins, começado e estancado ao meio para respirar principalmente depois do poe...

Sobralenses se unem contra o neutrino

Ainda sobre neutrinos, preciso confirmar algo que penso ter escutado ao acaso em uma conversa no final de semana, ou lido no Twitter, ou curtido no FB, ressalvando que esta possibilidade é remotíssima e que é mais plausível que haja escutado algum papo enquanto comprava cachorro quente na esquina da Soriano com a Visconde na última sexta-feira. Mas enfim. Trata-se da informação de que um grupo de pesquisadores sobralenses, entre amadores e acadêmicos, começou a elaborar o que, grosseiramente falando, seria um artigo-resposta à notícia (ou insulto, a depender do ponto de vista) de que os alicerces da Teoria da Relatividade Geral, do físico Albert Einstein, foram duramente contestados, e não apenas: caso estudos posteriores confirmem tudo que dizem agora a respeito do neutrino, os postulados basilares desse campo de estudo serão perversamente subvertidos. Não restará pedra sobre pedra, e talvez mesmo uma ingênua equação como F=m.a (a força é o resultado da multiplicação da massa pe...

Preferiria não o fazer

Conhecer o autor pessoalmente pode ser uma vantagem ou um problema. Vantagem porque é impossível separar o afeto que se tem pela pessoa da apreciação daquilo que ela escreve. Afinal, livros quase sempre são uma extensão do que somos: o encadeamento do texto imita o jeito como se pensa ou fala, as ideias são análogas às de quem as expõe, a prosa é indissociável de qualidades pessoais como o ouvido, o carisma e o humor. Por outro lado, estamos acostumados aos defeitos e fraquezas dos nossos amigos, e é difícil não notar as eventuais tentativas deles de parecerem mais inteligentes e charmosos do que são. Michel Laub , autor do Diário da queda.

Corrida espacial

Duas palavras sobre o neutrino, o Usain Bolt do atletismo subatômico. Na verdade, quero deixar registrada a surpresa com que recebi a informação de que a luz havia sido passada pra trás e que agora uma partícula promíscua é quem dava as cartas no mundo da Física, amplamente dominado por flagrantes de explosões de supernovas ou coisas do tipo. De todo modo, fico feliz com a descoberta, antes o agito provocado por rebuliços no velocímetro que a novidade – grande! - de que mais um planeta (HS98554 b) foi encontrado na zona habitável do universo. Todavia, custo a crer – e a entender – no que dizem os estudiosos. Uma partícula invisível, fantasmagórica, que pode se travestir em duas outras, sem massa, sem carga, ínfima, captada por instrumentos especiais, única capaz de atravessar a Terra de cabo a rabo sem deter-se um segundo. Que aparência terá um neutrino? Não sei... Desconfiem se virem um por aí cheio de si.