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ELE DISSE "OCUPADA?", ELA DISSE "BRIGADA"

De repente, o rosto ainda crispado, as mãos suadas, os cabelos levemente despenteados porque quando está nervoso ele esfrega o couro cabeludo como se estivesse alisando uma lâmpada mágica e, de fato, ele acredita que assim algum mau pensamento possa ser afastado definitivamente... De repente, ele virou-se e disse - antes, embora nunca tenha pretendido medir qualquer pessoa apenas investigando a profundidade da cor dos olhos, ele a vasculhou ali. Num fundo preto, aquoso. Brilho da sela do cavalo. Brilho da roleta de ônibus. Brilho da tela LCD do caixa eletrônico do Banco do Brasil. Coisas assim absolutamente despropositadas vieram. E ele ficou calado. Olhando-a bem lá. Eles eram pretos. Ela tinha os olhos tão pretos que poderia para sempre perder-se dentro deles. Até que finalmente disse o que havia levado a vida inteira ensaiando. Toda a sua vida contida naquele segundo. Naquelas palavras. Ele disse: SE VOCÊ QUISER, EU APRENDO A DANÇAR. SE VOCÊ QUISER SEGURAR MINHA MÃO E RODOPIAR NO SA...

Paciência vacila

Aqui , minha resenha de Leite derramado , novo romance de Chico Buarque. Duas correções: primeiro, no lugar da interrogação no nome d’Assumpção, deveria haver um apóstrofo. Coisa boba. Depois, no fim do texto, uma pequena anomalia: um trecho indevido saiu colado à derradeira frase. Coisa boba também. Pequenos deslizes tão comuns no dia-a-dia. Posso perguntar como vai tudo? Como têm passado? Comigo, nada de novo. Fora a angústia do que está certo. Fora a angústia do que está errado. Por ora, é assim que ficamos. Volto até o fim do dia. Vou ali no mercado comer panelada e respirar um pouco o estranho cheiro que sai da cabeça cozida do carneiro.

WHERE'S THE DOCTOR?

EMÍLIO

Abaixo, um conto bem antigo. Mas antigo mesmo. Quando viu, eram apenas dois. Foi até a cozinha, despejou café numa xícara e retomou o posto. Havia uma pequena mas iracunda multidão na calçada. Eis o princípio de tudo: uma iracunda multidão. A dois palmos de distância de cada um deles, o menino recebia pontapés, socos e safanões. Apanhava no rosto, nas costas, nas canelas. Tentou levantar-se, caiu. Não se sustentava nas pernas finas, finíssimas. Uma senhora surgiu na varanda do apartamento. Via tudo. Depois fechou as janelas, cerrou as cortinas e foi cuidar de enxugar a louça do almoço. Um outro que passava de bicicleta parou, olhou, olhou e olhou. Em seguida empoleirou-se no transporte e foi embora. Um terceiro assistia, apenas. Robusta, a roda enchia-se de cores e tamanhos. Nela havia mulheres, senhoras, crianças, idosos, homossexuais, negros, brancos, mulatos, pardos, ricos e pobres. Era uma roda crescente, gigante. E assustava. Não se contentava em bater, não. Feria com palavras, ge...

FALTAM 5 MINUTOS PARA A MEIA-NOITE

OSKAR DESABAFA: Não sei por que, mas tenho a impressão rotineira e absolutamente inelutável – sedimentada numa curiosa sucessão de mal-entendidos e outras extravagantes desconexões –, temperada ainda por uma nada saudável dieta de incongruências cujo grau e textura ácidos sempre causam algum tipo de efervescência no estômago... Enfim, tenho a sólida e também onipresente intuição de que: QUANDO CHEGO ATÉ O BALCÃO DA PADARIA, A FORNADA SEMPRE, MAS SEMPRE MESMO, TEM ACABADO. E O PADEIRO DIZ: SÓ DAQUI A 15 MINUTINHOS. Quando penso que finalmente vou sair de lá com uma sacola cheia de pães, descubro que tudo não passou de pesadelo. Mas, no fundo, o único pesadelo consiste em acreditar cegamente que tudo não passou de pesadelo. Isso quase sempre acontece. Sinal? Vou ligar pra Mãe Jussara e perguntar.

F... quer falar

Vinte e quatro horas depois, as pontas dos dedos ainda recendem a cigarro. Há sede. Os olhos piscam vermelhos. A música. A lembrança: encostada à porta do banheiro masculino, uma mulher. Que idade? Bem mais do que a minha. Sorri. Viro o rosto. De passagem, novo sorriso. O que havia? Não sei. Ninguém costuma distender os lábios tantas vezes em tão pouco tempo. Nem mesmo eu. PENSO ORDINARIAMENTE: tenho que aprender a escovar os dentes corretamente. Costumo ser cruel. Três canções de domingo. Na verdade, quatro. Escutem. Ou tentem guardar na lembrança alguma coisa... Tinha guardadas caixas... Pacotes diversos. Mas perdi tudo na mudança. Entre quinta-feira e domingo, o mundo inteiro veio abaixo. E se reconstruiu. F...