Um amigo liga e diz que o “tatuzão errou o caminho”. Sem esperar resposta, cai na gargalhada. Estou de férias, tenho andado longe dos jornais, entretido com tarefas domésticas, às voltas com um projeto de história que não anda e com uma tese por escrever.
Logo peço explicações, que vêm entrecortadas por mais risadas, contidas a muito custo. Continuo avoado, eu lhe falo, o tempo do noticiário a anos-luz do ritmo que vinha tentando manter, preocupado com ninharias do cotidiano, como preencher as horas e tentar assegurar que a saúde já claudicante não piore.Mas o amigo insiste, quer explicar do que se trata, me fazendo entender tecnicamente o embaraço que significa o fato de que o tatuzão, essa máquina de nome jocoso cuja denominação oficial é tuneladora, errou o caminho por alguns metros, desviando-se da rota traçada previamente para a escavação do túnel do metrô que nunca foi.
Eis o problema, disse, o tatuzão não tem ré, ele não volta.
Supus que fosse piada, mas não era. O minhocão – outro jeito de se referir ao bicho mecânico – foi feito para avançar, jamais para recuar, de modo que era impossível mandá-lo retornar ao ponto do qual havia se afastado.
De agora em diante, prosseguiu, o tatuzão ou ficava parado ou seguia em frente. Como continuar não era uma opção, já que logo adiante há uma escola, o animal subterrâneo está imóvel neste momento, hibernando como um fóssil, à espera de um chamado, ignorante de seus passos.
Simpatizo de imediato com a história, com as sutilezas da narrativa, o erro humano embutido, a impossibilidade do retorno, a imposição de um destino àquela máquina bruta – apenas ir para a frente, jamais para trás, o irrevogável de sua caminhada. Até que ela se depara com esse interdito.
Afinal, se o tatuzão se enfiara num beco sem saída, de quem era a culpa? Quem o conduzira ao precipício? No que pensava o condutor ou a condutora que, num instante de distração ou mesmo de cochilo, guiara a tuneladora para essa curva da qual agora não poderia sair?
Todos temos dias ruins, até péssimos, todos fracassamos no trabalho quando nada mais parece dar certo, voltando para casa então com o rabo entre as pernas, convencidos de que nada que fizéssemos nesse dia seria de grande valia.
Penso que algo do tipo tenha sucedido ao piloto do animal.
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