Há três dias tento escrever qualquer coisa antes de dormir, mas o tempo se passa sem que tenha feito nada, exceto o de obrigação, ou seja, essas seis ou sete palavras que emprego em frases diretas que tentam comunicar um sentido, carregar uma informação, na ambição de que sejam lidas ao pé da letra, sem qualquer viés.
E, quando termino, me volto ao computador, mas já estou cansado. Fico olhando a tela, rolo a barra, revisito os temas, lembro de uma ou outra anotação que poderia render algo, mas não rende.
Me vem à cabeça uma reportagem que fala sobre definhamento, mas me convenço de que não estou definhando, embora algo dentro de mim sugira ter mais prudência antes de descartar essa hipótese.
Dito isso, considero que nunca trabalhei tanto, nunca fiz tanto serviço doméstico e me preocupei com aspectos da casa que antes passavam batidos, nunca espirrei tanto nem me mediquei depois de espirrar sucessivamente, em casa ou na rua.
O que chega a ser um problema nestes dias. Pense em ir ao supermercado e espirrar sem parar por sete ou oito vezes. A maneira como as pessoas reagem, os olhares de reprovação, os gestos mal contidos. Enfim, tudo transpira cuidado.
Então talvez seja isso, excesso de trabalho, mas não demora e passo a acreditar no contrário, dificilmente o volume de obrigações atuais poderia ser responsável por essa indisposição, que soa menos explicável por algo tão mundano quanto o cansaço, a mera exaustão do corpo. É preciso que haja algo que não se esgote nesse amofinamento.
Penso que talvez a causa seja de outra natureza, algo de raiz esotérica. Um quebranto? Não descarto, mas tenho dificuldade de levar adiante esse pensamento, de modo que me pego a meio caminho entre a racionalidade da falta de vitamina D combinada ao sedentarismo, e o transcendental de um mau olhado, de uma energia ruim transmitida de passagem por alguém que não me queira bem.
Tento lembrar de encontros recentes nos quais, mesmo que rapidamente, uma pessoa qualquer tenha me olhado de esguelha, com expressão de quem desejasse um tropeço ou um abatimento. Não consigo, andando pela rua mal presto atenção onde piso, imagine-se o rosto alheio, sobretudo nestes tempos de máscara, em que cada um pode rogar a praga que quiser que dificilmente iremos notar.
Sigo nisso por mais um tempo ainda, canso, noto que tenho algo escrito e dou por encerrada a tarefa da noite, que era dizer qualquer bobagem antes de dormir.
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