Tinha essa ideia, que era mergulhar, tomar
distância, saltar num pé, mergulhar e nadar para longe, para perto, nadar em
muitas direções, era ótimo exercício movimentar braços e pernas em rápidas
evoluções, a cabeça virando para respirar no momento preciso, a água salgada talvez
não incomodasse tanto quanto o sol, certamente não incomodaria tanto quanto a falta
de um incômodo autêntico, desses que dão vida a uma existência, um incômodo
suficientemente doloroso, a dor enfim irremediada tem lá suas vantagens.
Depois de nadar, a ideia seguinte era
parar, como se pudesse, ondulante, puxar uma cadeira, uma mesa, ocupar um
assento em alto mar e então esperar que o tempo passasse lento, enquanto no
calçadão as pessoas se exercitavam de todas as maneiras, caminhando, correndo, fazendo
flexão, patinando etc., uma mulher metida no short, nas costas a marca do suor,
há sempre tantos modos de colocar o corpo em movimento e o calçadão é uma
diversão democrática, imensa, ótimo para ficar de bobeira, olhando, à diferença
da internet, que entristece, a faixa destinada ao trânsito das pessoas tem a
surpreendente capacidade de deixar muita gente alegre, ou deveria pelo menos,
era assim que pensava.
A ponte agora ocupada antes pareceria ruína
de outro tempo, restos de memória, uma guerra desconhecida, todos sabem que a
cidade jamais vivera conflito bélico, ficava na quina de um continente, um país
cuja fama de essencialmente cordial o distinguia de todos os demais, éramos, portanto,
esse povo de pele misturada, corpo atlético, magro, gordo, alegre, que persegue
a diversão e o prazer por longos 11 meses para, finalmente, dedicar-se ao que
mais gosta, que é ser feliz, ainda que por pouco tempo, ainda que por menos de
uma semana, menos de quatro dias, fazendo os cálculos precisos, nem todas as
horas do dia, é verdade, mas em instantes saltados, quase nunca conexos, nem
tão intensos quanto parecerão dentro de alguns meses, na pior das hipóteses, na
melhor, fato é que cada um encara o passado com as lentes mais apropriadas.
Um monumento abandonado, sendo assim esquecido,
a ponte tinha rapidamente se convertido em ponto de encontro de drogados, mas
isso foi antes, antes da comunidade, da organização, da prefeitura entender que
favelado gosta de lazer, que as pessoas de classe média também poderiam gostar
de caminhar na região antes degradada, é uma política e tanto pavimentar ligações
de classes, afinal, hoje é comum admitir, a vista mais bonita da cidade é a de
lá, falam de lá dessa maneira íntima, ora, ora, quantas vezes visitaram o
bairro em 30 anos ou 40 ou 20? Sendo razoável, sendo razoável, passaram ao
largo todo esse tempo e agora abrem a boca pra falar num tom de voz afetuoso.
Não é rabugice, a gente tem o direito de
descobrir, redescobrir, encobrir uma cidade, mas, convenhamos, por favor,
façam-me o favor, parem com essa história de vista mais bonita, ainda
que estejam sendo o mais verdadeiros, o mais honestos, o mais afetuosos que
consigam.
Foi debaixo dessa ponte, não mais em alto
mar, que decidiu fazer o que todos um dia haviam tomado como tarefa, a missão
de toda uma geração, o leitmotiv de todas as gerações, digo sem medo de
incorrer no claro exagero, e essa missão não era outra senão ir embora.
Caminhou novamente até o pavimento, vestiu
calção, a camisa, pôs sandálias, enfiou o celular no bolso, conferiu o conteúdo
da carteira, entrou no ônibus que o levaria até em casa.
No trajeto, desceu, desceria, precisava de
duas bolas de sorvete. Desistiu. Andou por cinco quarteirões, um bairro
diferente, mas semelhante ao da infância, a faixa periférica é realmente muito
parecida em suas ruazinhas de casas, mulheres varrendo pra lá e pra cá,
botecos, bodegas, mercearias, armarinhos, o mercadinho, a locadora, a sinuca.
Pediu água na casa e perguntou se naquela
rua havia algum imóvel pra alugar, dissimulou o grande interesse, ouviu como
resposta que sim, havia, uma casa pequena, três cômodos, área de serviço, uma
árvore na frente que dava boa sombra nos meses certos do ano. O preço não era
alto, quatrocentos, disse.