Enquanto isso, na SALA DE JUSTIÇA...
Como foi o Natal da rapaziada? Tranqüilo? Para mim, algumas cervejas, muita comida e cama. Nada mais. Todo ano é assim. Não costumamos trocar presentes em casa. Presentes têm densidade maior que a da água. Portanto, pesam, não flutuam. Eles caem e caem, descem e descem.
Na verdade, quem cai mesmo é nossa família. Não sei por que, mas tenho a impressão. Vou dizer uma coisa: família é importante.
Essa tradição de dar e receber presentes se perdeu em algum ponto antes ou depois da separação dos meus pais. Talvez na mesma época em que deixei de ficar ansioso a cada 12 de outubro. Um pouco depois disso, quem sabe. Mas o certo é que se perdeu, definitivamente. Ninguém se assusta quando chegamos de mãos abanando e nos abraçamos. Acho que nem isso fizemos neste ano. Apenas comemos e pronto. Nos empanturramos e dormimos. Quer dizer, a comida ficou pronta na cozinha. Na sala, todos banhados e vestidos. Cada um montou seu prato e, em seguida, procurou uma cadeira. Me instalei do lado de fora, na entrada da casa da minha irmã. Minha avó já estava lá, arreada numa cadeira de plástico. Dessas de lanchonete. Não branca, mas vinho.
Minha avó não parecia feliz. Estavam todos ali, comendo e engordando. Ela olhava de um lado a outro. Sabem o conto “Feliz aniversário”, da Clarice Lispector? Pois é.
Um breve desvio - não tem nada como tomar um bom copo de suco de caju. Nada. E não pensem que estou falando da fruta, que é rançosa, mas do suco industrializado mesmo. Comprado na esquina. Engarrafado, claro. O mesmo que tomava na hora do recreio quando era criança. Um copo de suco e um pedaço de pão tostado na frigideira eram atravessados até mim, do outro lado duma grade. Às vezes esperava o recreio inteiro. O lanche não vinha. Quando já estava na sala, a professora falando, minha mãe pedia a alguém que fosse me chamar. Eu saí de fininho, encarando o chão.
Como acontece comigo, o forte dela nunca foi a pontualidade.
Outro breve desvio - estou pensando seriamente em dar um tempo aqui. Me sinto cansado. Ano que vem tem muito trabalho. Monografia, conclusão de curso, fim de estágio, livro, projetos. Essas coisas chatas que, um dia, a gente acaba tendo de enfrentar e enfrenta mesmo, com ou sem disposição.
Entre uma coisa e outra, matarei. Sem dó nem piedade. Matarei homens ruins que empestam este mundo e tornam a vida cada dia pior. Por exemplo? Por que ninguém respeita a rampa dos cadeirantes no supermercado? É simples. Não estacionem a droga dos seus carros em cima da rampa, mas ao lado. Pronto.
Mas não. É melhor ignorar a existência das pernas que não se movem e bancar o sacana que estaciona na rampa dos deficientes comprando pãezinhos para o café.
Voltando à ceia. Foi decepcionante. Dito isso, deveria me calar. Porque resume bem o que senti naquele instante.
Mas, o que esperava? Uma confluência harmoniosa e cósmica de seres reunidos ao redor da mesa em pleno Natal? O que exatamente deu errado? Eu ou eles? Minhas expectativas ou a falta de expectativa deles? Minha queixa é: não parecemos uma família. Minha intenção era: ao menos hoje, tentaremos parecer uma família. O resultado foi catastrófico. Tentei divertir a todos sendo engraçado ao meu modo, que, em resumo, consiste na mistura do senso de humor diário adaptado às reuniões familiares, desfiando um conjunto de piadinhas espontâneas e observações mais ou menos repetidas. Embora tenha arrancado umas boas risadas do meu pai, não deu. Demos com os burros n’água. Nem peru tivemos na ceia.
Não ter comprado o peru de Natal foi um erro de estratégia que não se repetirá no ano que vem. Porque o peru, embora no fundo não passe de um animal morto que devemos comer antes da meia-noite, tem um peso simbólico bastante forte. Uma mesa sem peru é um mal-presságio.
Quero pensar nisso durante alguns dias. Sim, quero refletir. Porque sinto mesmo que as coisas estão sem eixo, sem norte, sem planos claros. E, por algum motivo, achei que fosse obrigação minha levar esse barco a um lugar qualquer, atracá-lo e esperar a troca de horários, quando outra pessoa assumirá o comando da coisa toda e assim por diante até que alguém se canse e atire o barco em direção aos rochedos e mande toda essa história de norte e planos claros às favas.
Mas isso tudo talvez seja uma grande besteira. Talvez tudo se acerte sem a minha interferência. Talvez esteja apenas lamentando o fato de que os nossos destinos estão nos conduzindo a lugares distintos. Nossos denominadores comuns ficam cada vez menos comuns. Quer dizer, há sempre algo fundamental que persiste. Mas até mesmo esse dado fundamental se perde em meio à vida de cada um.
Achei que poderia resolver alguns problemas organizando um jantar e comprando algumas cervejas, vestindo-me bem bonito a ponto de impressionar minha avó novamente. Não deu. Não fiz a barba. Ela não gosta que homens deixem a barba crescer. Porque envelhece.
A intenção foi boa. Apenas isso.
Como foi o Natal da rapaziada? Tranqüilo? Para mim, algumas cervejas, muita comida e cama. Nada mais. Todo ano é assim. Não costumamos trocar presentes em casa. Presentes têm densidade maior que a da água. Portanto, pesam, não flutuam. Eles caem e caem, descem e descem.
Na verdade, quem cai mesmo é nossa família. Não sei por que, mas tenho a impressão. Vou dizer uma coisa: família é importante.
Essa tradição de dar e receber presentes se perdeu em algum ponto antes ou depois da separação dos meus pais. Talvez na mesma época em que deixei de ficar ansioso a cada 12 de outubro. Um pouco depois disso, quem sabe. Mas o certo é que se perdeu, definitivamente. Ninguém se assusta quando chegamos de mãos abanando e nos abraçamos. Acho que nem isso fizemos neste ano. Apenas comemos e pronto. Nos empanturramos e dormimos. Quer dizer, a comida ficou pronta na cozinha. Na sala, todos banhados e vestidos. Cada um montou seu prato e, em seguida, procurou uma cadeira. Me instalei do lado de fora, na entrada da casa da minha irmã. Minha avó já estava lá, arreada numa cadeira de plástico. Dessas de lanchonete. Não branca, mas vinho.
Minha avó não parecia feliz. Estavam todos ali, comendo e engordando. Ela olhava de um lado a outro. Sabem o conto “Feliz aniversário”, da Clarice Lispector? Pois é.
Um breve desvio - não tem nada como tomar um bom copo de suco de caju. Nada. E não pensem que estou falando da fruta, que é rançosa, mas do suco industrializado mesmo. Comprado na esquina. Engarrafado, claro. O mesmo que tomava na hora do recreio quando era criança. Um copo de suco e um pedaço de pão tostado na frigideira eram atravessados até mim, do outro lado duma grade. Às vezes esperava o recreio inteiro. O lanche não vinha. Quando já estava na sala, a professora falando, minha mãe pedia a alguém que fosse me chamar. Eu saí de fininho, encarando o chão.
Como acontece comigo, o forte dela nunca foi a pontualidade.
Outro breve desvio - estou pensando seriamente em dar um tempo aqui. Me sinto cansado. Ano que vem tem muito trabalho. Monografia, conclusão de curso, fim de estágio, livro, projetos. Essas coisas chatas que, um dia, a gente acaba tendo de enfrentar e enfrenta mesmo, com ou sem disposição.
Entre uma coisa e outra, matarei. Sem dó nem piedade. Matarei homens ruins que empestam este mundo e tornam a vida cada dia pior. Por exemplo? Por que ninguém respeita a rampa dos cadeirantes no supermercado? É simples. Não estacionem a droga dos seus carros em cima da rampa, mas ao lado. Pronto.
Mas não. É melhor ignorar a existência das pernas que não se movem e bancar o sacana que estaciona na rampa dos deficientes comprando pãezinhos para o café.
Voltando à ceia. Foi decepcionante. Dito isso, deveria me calar. Porque resume bem o que senti naquele instante.
Mas, o que esperava? Uma confluência harmoniosa e cósmica de seres reunidos ao redor da mesa em pleno Natal? O que exatamente deu errado? Eu ou eles? Minhas expectativas ou a falta de expectativa deles? Minha queixa é: não parecemos uma família. Minha intenção era: ao menos hoje, tentaremos parecer uma família. O resultado foi catastrófico. Tentei divertir a todos sendo engraçado ao meu modo, que, em resumo, consiste na mistura do senso de humor diário adaptado às reuniões familiares, desfiando um conjunto de piadinhas espontâneas e observações mais ou menos repetidas. Embora tenha arrancado umas boas risadas do meu pai, não deu. Demos com os burros n’água. Nem peru tivemos na ceia.
Não ter comprado o peru de Natal foi um erro de estratégia que não se repetirá no ano que vem. Porque o peru, embora no fundo não passe de um animal morto que devemos comer antes da meia-noite, tem um peso simbólico bastante forte. Uma mesa sem peru é um mal-presságio.
Quero pensar nisso durante alguns dias. Sim, quero refletir. Porque sinto mesmo que as coisas estão sem eixo, sem norte, sem planos claros. E, por algum motivo, achei que fosse obrigação minha levar esse barco a um lugar qualquer, atracá-lo e esperar a troca de horários, quando outra pessoa assumirá o comando da coisa toda e assim por diante até que alguém se canse e atire o barco em direção aos rochedos e mande toda essa história de norte e planos claros às favas.
Mas isso tudo talvez seja uma grande besteira. Talvez tudo se acerte sem a minha interferência. Talvez esteja apenas lamentando o fato de que os nossos destinos estão nos conduzindo a lugares distintos. Nossos denominadores comuns ficam cada vez menos comuns. Quer dizer, há sempre algo fundamental que persiste. Mas até mesmo esse dado fundamental se perde em meio à vida de cada um.
Achei que poderia resolver alguns problemas organizando um jantar e comprando algumas cervejas, vestindo-me bem bonito a ponto de impressionar minha avó novamente. Não deu. Não fiz a barba. Ela não gosta que homens deixem a barba crescer. Porque envelhece.
A intenção foi boa. Apenas isso.
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