Esse foi o ano dos bebês reborn e dos labubus, dos dispositivos de substituição e transferência de afeto, da desafetação e do dar de ombros para o desfile acelerado da vida. Ano do boom da IA e da promessa de um futuro edênico no qual o virtual e o real se equivalem, ano da tiktokzação do sofrimento e da grande diáspora das redes. Ano da fuga das galinhas, dos filmes de terror e do Neymar, ano da prisão e da romantização da prisão dos famosos e do presidente em sua eterna crise de soluço. Ano do vazamento e da sorte de adivinhar os temas sobre os quais milhões sonham em escrever na hora da prova, ano do mecanismo da sorte, da estrutura secreta que produz o futuro. Ano do ostracismo do panetone e da reabilitação do ovo, ano da graça e também da desgraça, ano do recolhimento meditabundo e do desbunde, da ioga e do forró raiz. Ano das desescritas do eu, da arte do baixo ventre, da grafia do corpo sem corpo, enfim, ano de toda sorte de golpe mercadológico para vender mais no país q...
Tenho poucos minutos para escrever. Durmo mal e acordo pior ainda, pela manhã estou sempre vagando desacordado entre os cantos da casa. Vejo esse livro nas mãos, mas de fato não estou olhando para ele, estou fixando a imagem do objeto diante da retina sem que ele de alguma maneira se traduza como o que de fato é. O que de fato é me escapa a todo instante se me acho nessas situações de falta de sono, se acordo e penso um pouco e a TV na sala resiste a ligar e tenho de me manter alerta por algum motivo, como se um perigo me ameaçasse. Olho e é visível o esforço para entender que se trata de um livro de papel isso que seguro agora no banheiro. Um volume que abro ao ponto de quebrar. Está lá, eu tento ler as primeiras frases, mas novamente constato sem drama que não estou aqui, não estou suficientemente presente, ou que não tenho as ferramentas para decifrar aquele código, não pude completar a formação que me habilitaria para essa tarefa de ler e compreender essa língua na qual tentam...