Há algo de intrigante nessa estética de vídeos de pessoas que aparentemente estão fazendo outra coisa enquanto gravam a mensagem que pretendem destinar a seus seguidores nas redes.
Você já deve ter visto algo do tipo por aí. Um cara ou uma garota de frente para o celular, mas sem encará-lo, falando enquanto se maquiam ou montam um PC ou se entretêm com seja lá o que for.
O importante não é a coisa em si da qual se ocupam, mas o fato de que estão ocupados enquanto falam o que, ao cabo, deveria ser o mais relevante, que se torna então secundário, numa operação de despiste cuja finalidade é, por vias tortas, dar mais seriedade ao que dizem.
É como se aquele momento só fosse possível nessa brecha de tempo, por uma série de contingências, de acasos mesmo, quando o sujeito se põe a despejar o conteúdo nessa janela intervalar durante a qual aproveita para empregar sua atenção em alguma tarefa prática, normalmente doméstica. Algo que implique uso das mãos, por exemplo, forçando-o a manter o foco noutra coisa que não aquela que constitui a razão de ser do vídeo.
Não é curioso?
O que confere relevância ao discurso não é seu conteúdo, ou não apenas ele, mas o ato performativo, do qual o repertório gestual é parte, ou seja, essa coreografia de braços manipulando objetos enquanto a fala se processa acaba por produzir a impressão de que quem fala se situa num lugar de importância – alguém cuja rotina não pode se interromper sequer para transmitir uma mensagem em relação a qual ele é o maior interessado.
Mas o lance é fazer parecer que não, isto é, trata-se de uma torção de linguagem típica das redes na qual o truque é simular uma posição de superioridade, acusando um capital não possuído, seja falando ao vazio num podcast do qual ninguém faz parte senão ele mesmo, seja entregando material em vídeo cuja regra de ouro é essa de nunca olhar diretamente para o interlocutor, sob pena de se rebaixar.
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