Não apenas as imagens dos ianomâmis desnutridos causam impacto e tristeza, além de revolta e vergonha, como também o contraste entre as fotografias dos povos sem assistência médica e alimentar e as notícias sobre gastos no cartão corporativo de Jair Bolsonaro se revela cruel, mas não casual.
Divulgadas praticamente ao mesmo tempo, trata-se de duas faces da mesma moeda, o genocídio de indígenas e a política em proveito próprio e dos seus – seus familiares e seus aliados, entre os quais o garimpo ilegal.
Em quatro anos, Bolsonaro levou a cabo esse plano de morte, pelo qual deve ser investigado. Sua obra é essa que vemos estampada agora nas capas dos jornais, correndo mundo: corpos reduzidos a pele e osso, crianças maltratadas, um ecossistema e suas populações predados sob estímulo do chefe da nação.
Enquanto isso, o então presidente alimentava-se de cortes nobres de carne, picanha e outras, sovando-se de bebidas lácteas bem ao seu feitio e refestelando-se com o que há de melhor nos cômodos palacianos, num contrassenso entre a farra gastronômica mantida em privado e a imagem que procurava inventar para si, de uma austeridade bíblica que era, contudo, fachada e cujo único objetivo era manter uma farsa diante de um exército de trouxas.
Publicamente, fingia-se despojado, simples nos hábitos e livre de regalias, hospedando-se em locais pelos quais não haveria de ter despesas, mordiscando pastéis e churrasquinhos em feiras, naquela etiqueta que lhe é própria, nessa tentativa canhestra de criar identificação com o “povo”.
Em casa ou por onde andasse, no entanto, o cardápio era bem outro, como se vê neste momento, a partir da divulgação de notas fiscais dos cartões, até então guardadas a sete chaves. Tudo que faltou à mesa dos brasileiros e brasileiras, do pão ao leite, sobrou na cozinha dos Bolsonaro.
Como se sabe, ele não foi o primeiro presidente a recorrer ao cartão corporativo para compras pessoais ou para abastecer a residência oficial dos mais diversos gêneros alimentícios, mas foi o primeiro a negar que o fizesse.
Durante seu governo, mentiu que usasse o expediente. Não uma nem duas ou três, mas incontáveis vezes. Sem surpresa, descobre-se agora que não somente se empanturrava às custas do dinheiro público, mas bancava até mesmo viagens do filho, um vereador eleito pelo Rio com renda própria.
A nota de perversão é que Bolsonaro talvez tenha gasto mais recursos dos contribuintes com as motociatas do que com os ianomâmis, numa inversão de prioridades criminosa cujas consequências jurídicas deveriam estar à altura dessa barbárie.
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