Fã ou “hater”? A pergunta embute de saída essa dualidade a partir da qual se organizam as relações nas redes e para além delas, ou seja, uma troca que se dá em torno de um binarismo cujos pontos cardeais são, de um lado, o apoio incondicional e, do outro, o ódio cego.
Do amigo, do colega de trabalho e mesmo das relações amorosas exige-se hoje essa espécie de contrapartida afetiva que prevê um vínculo sem arestas, feito todo com base numa adesão total que não aceita dissidência nem o mais remoto traço de crítica.
É-se fã de alguém, e ponto final, não havendo a possibilidade de que nessa relação haja espaço para a nuance ou sentimentos conflitantes. O conflito, por si, é negativo, contraproducente, pouco valorizado e, sob o ponto de vista da gestão dos afetos, algo a ser evitado porque desequilibra os chacras.
Não é por acaso que a palavra, antes limitada para se referir a um artista ou clube de futebol, ou qualquer outra coisa diante da qual uma pessoa se toma de absoluta devoção, agora tenha passado também a designar uma relação amical ou amorosa.
Ora, o fã não é mero namorado ou namorada, amigo ou amigo, mas alguém cuja entrega a esse outro se opera sem condicionantes, convertendo o alvo de seus sentimentos em objeto de adoração.
Que outra modalidade também mobiliza esse excesso de positividade?
O mercado, o consumo, a compra de experiências materializada em séries, filmes, livros e demais produtos cujo marketing consiste exatamente na conquista de algo mais pelo qual se paga sem pagar – algo sem preço. Em suma, toda relação mercantil que prometa o que não pode dar.
O fã também é um aprimoramento do binômio parceiro/parceira, termos que já remetiam a negócios e empresas no seu emprego social, mas que foram superados ou se tornaram obsoletos, para acompanhar a gramática dos tempos.
Noutro polo, o “hater” é frequentemente (mas nem sempre) aquele que não adere de todo ao ego de outrem, que se mostra resistente a abraçar um “perfil” ou arroba e que não faz coro ao fã-clubismo narcisista que estrutura as vivências sociais, virtuais ou presenciais.
O “hater” dá trabalho porque atrapalha o fluxo, é um afeto atravessado no meio do caminho, impedindo o andamento e a mobilidade constantes, impondo paradas súbitas e imprevistas a um deslizamento que se pretende sem intercorrências.
De repente, eis-nos tendo de responder a um “hater” que criticou nosso trabalho publicamente, um perfil certamente amargurado que não se contentou com o aplauso fácil do fã e metralhou torpedos que foram prontamente recebidos como ataques – quando não são ataques de fato.
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