A foto de uma dessas palmeiras mirradas em fila indiana na Beira Mar me fez lembrar daquela árvore de copa gorda, opulenta, a árvore da infância, à sombra da qual a gente inventava brincadeiras, do cai no poço à forca, do desenho à adivinhação das paixões de meninice.
Nada como a árvore da calçada da casa do tio, que servia de referência para os encontros da noite, em reserva, um anteparo natural e bloqueio à vista de quem passava pela rua, alongando a curiosidade em procura de matéria-prima para as fofocas de depois.
Ou a do pátio da escola, uma castanhola muito antiga, tão antiga que não a víamos como algo de fora, mas de dentro, em redor da qual púnhamos o grupo a jogar o que fosse, futebol, vôlei, pião, o tronco repleto de marcas e recados, repositório de declarações feitas a giz ou caneta, tal como um livro.
Penso nisso, nas histórias que uma árvore carrega, no tempo que leva para crescer, na maturação demorada, nos jambeiros e cajueiros, nas mangueiras e goiabeiras, e de repente sinto uma nota de tristeza por essas palmeirinhas chegadas de outro mundo, folhas secas sem grafia, superfície intratável para o uso da memória, deixadas para que se virem sozinhas e cresçam à revelia do meio.
Ou então desistam, dá no mesmo, logo são substituídas por outra, também ela numerada e desterrada. Estranhas ao lugar, sem nada que as ligue ao terreno onde agora deitam raiz.
Talvez nem se fixem, nem se conectem com o espaço, ao qual não servem porque cumprem função meramente ornamental. Estão ali porque as fizeram estar. Não se desenvolveram, seus troncos finos e galhos magricelas não bastando para aparar uma nesga de sol no pino do meio-dia.
Mas vejam como são bonitas, diz um desses projetistas mais entusiasmados, como dão à cidade uma coloração aligeirada de cosmopolitismo, como tudo ganha ares “dubaisianos” se as vemos como molduras verdes, as mesmas que pontificam nos jardins de shoppings e projetos paisagísticos dos condomínios do grand monde.
Viventes de plantio imediato e urgente, são árvores mudas de promessa, árvores para quem tem pressa, cifras que depois figuram nas campanhas políticas. A arborização esticada artificialmente enquanto os cantos mesmo onde as plantas se adensam estão à míngua, como o Parque Rio Branco, predado pelo abandono, as grades levadas pela delinquência, o matagal crescendo ao gosto.
Tudo porque inventam o novo à custa do velho e nisso reconstroem a cidade sob uma régua que a enfeia a pretexto de embelezar, fazendo-a mais provinciana do que já é.
Antes as ruas se chamassem do Oitizeiro ou da Ameixeira, qualquer que fosse, desde que houvesse uma ligação, mínima que seja, um elo histórico e cultural qualquer com as coisas de cá, as coisas que temos em comum. Mas não, vão-se sucedendo intervenções cuja lógica é sempre a do transplantar, do fazer vir de outro canto o que já deveria estar ali, o que um dia talvez tenha estado.
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