Passávamos ao lado, as barracas como esqueletos antediluvianos, formas antigas, carcaças de animais mortos deixados para trás. Restos de teto, paredes inteiras erguidas e agora esquecidas, tufos de palhas presas umas às outras por quase nada, o reboco condenado, tudo um arranjo prestes a cair, mas ainda assim de pé, como se a permanência ali dependesse de um acerto comum e nunca da ação individual de cada parte. O solo como um chão lunar, o vento forte de setembro dobrando a vegetação, coqueiros inclinados em ângulos de 30 graus. Uma pista vazia adiante, depois uma curva e mais à frente a duna, a subida íngreme vencida aos poucos por um grupo de pessoas que foi até ali, presumo, para ver o pôr do sol. Dúzias de carros estacionados à beira do asfalto, fileiras de motos e, no alto, pequenas sombras tapando a luminosidade com a mão em aba, à espera de que desse a hora para refazerem o caminho, agora duna abaixo, controlando a força de cada pisada de modo a não desabar. O fluxo de carros tranquilo àquela hora, quase como uma dormência automotiva, cada veículo parte de outro e de outro, todos para o mesmo destino embora fossem destinos diferentes.
Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...
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