Visitava o apartamento pela primeira vez quando abri a janela de um dos quartos abafados e, no quintal, dois gatos trepavam sobre o tampo de uma cacimba, o mais magro sobre o mais gordo, o traço do rabo fino torto na ponta chamou minha atenção talvez mais do que o ato em si, de resto comum a quem se habituou a ver gatos pelos cantos da casa durante toda a vida, e, no entanto, aquilo, a posição dos bichos, uma acrobacia aérea, a localização desavergonhadamente central, o fato de que não houvesse ninguém e dispusessem do quintal para si, a certeza de que continuavam porque não me viam enquanto eu os olhava da janela recém-aberta, isso tudo me fez pensar que o quarto tinha uma vista privilegiada para os fundos de uma casa onde bichos costumeiramente cruzavam, que iam ao terreno porque lá era vazio e tranquilo e então se sentiam à vontade para fazer o que quisessem.
Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...
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