Visitava o apartamento pela primeira vez quando abri a janela de um dos quartos abafados e, no quintal, dois gatos trepavam sobre o tampo de uma cacimba, o mais magro sobre o mais gordo, o traço do rabo fino torto na ponta chamou minha atenção talvez mais do que o ato em si, de resto comum a quem se habituou a ver gatos pelos cantos da casa durante toda a vida, e, no entanto, aquilo, a posição dos bichos, uma acrobacia aérea, a localização desavergonhadamente central, o fato de que não houvesse ninguém e dispusessem do quintal para si, a certeza de que continuavam porque não me viam enquanto eu os olhava da janela recém-aberta, isso tudo me fez pensar que o quarto tinha uma vista privilegiada para os fundos de uma casa onde bichos costumeiramente cruzavam, que iam ao terreno porque lá era vazio e tranquilo e então se sentiam à vontade para fazer o que quisessem.
Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por
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