Visitava o apartamento pela primeira vez quando abri a janela de um dos quartos abafados e, no quintal, dois gatos trepavam sobre o tampo de uma cacimba, o mais magro sobre o mais gordo, o traço do rabo fino torto na ponta chamou minha atenção talvez mais do que o ato em si, de resto comum a quem se habituou a ver gatos pelos cantos da casa durante toda a vida, e, no entanto, aquilo, a posição dos bichos, uma acrobacia aérea, a localização desavergonhadamente central, o fato de que não houvesse ninguém e dispusessem do quintal para si, a certeza de que continuavam porque não me viam enquanto eu os olhava da janela recém-aberta, isso tudo me fez pensar que o quarto tinha uma vista privilegiada para os fundos de uma casa onde bichos costumeiramente cruzavam, que iam ao terreno porque lá era vazio e tranquilo e então se sentiam à vontade para fazer o que quisessem.
Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...
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