Levo horas assim, na preparação
do que virá. Tempo gasto tentando descobrir o que ainda não sei, tatibitate. Paro
e retomo. Depois ando pelo corredor, em seguida vou ao banheiro e acendo o
cigarro. Sopro pela janela a fumaça azulada, que sobe em espirais e se dissipa.
Cogito sair, mas aonde iria a esta hora? Não há lugar. É preciso inventar uma
geografia, mas isso também leva tempo. É custoso. Então planejo a viagem, Porto
ou uma cidade mais distante. Nápoles, quem sabe. Uma passagem. Dois anos fora
estudando esse tema sobre o qual
venho pensando – qual? É também uma abstração, coisa impalpável, matéria
quebradiça. Borrifo água nas plantas, que parecem sempre as mesmas. Não gosto
de plantas, prefiro os peixes. Detesto cachorros, tolero gatos. Simpatizo com
bichos esquivos. Salguei o macarrão, que agora está condenado. Caprichei no
azeite. Achei que teria dificuldade em retomar essa rotina de trabalho após 30
dias durante os quais tentei acreditar que deixar tudo pra trás levaria uma
vida inteira. Às vezes acordo de noite e abro a janela ou acendo a luz à espera
de nada. Madrugada, esquento o macarrão, que parece comestível. O tempo atenua
qualquer coisa. Comecei a escrever sem saber o que faria na linha seguinte, que
ideias teria de apresentar caso alguém perguntasse no que andava trabalhando ultimamente.
E, agora que comecei, percebo que tudo que diga ou faça assemelha-se a um nó,
entrelaçamento de cordas mediante o qual testamos a rigidez dos dedos. Ventava forte
quando reabri a porta, as cortinas infladas como a camisa descerrada de quem
cruzasse o deserto em plena tempestade.
Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por
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