Mudei a letra, passei a outra maior, fonte
segura porque a enxergo, mas que impõe um ritmo diferente do anterior. Cada letra
tem uma velocidade, um modo de ir em frente.
Esta, por exemplo, é mais lenta, requer pensamento.
Antes escrevia em itálico, a editora perguntava se era isso mesmo. Ficava
surpresa que alguém escrevesse como quem destaca um trecho. Pra que serve o
itálico? Palavras em latim, estrangeiras, emprestadas de outra língua, palavras
que não pertencem a ninguém mas das quais lançamos mão na tentativa de dizer.
Era assim que escrevia, como se tomasse algo
de outro, um alheio que agora era também meu, um jeito de falar à fala. E, nessa queda de braço, o itálico, como se desse um vento na hora de colocar essas coisas pra fora e tudo se inclinasse de repente.
Eu respondi que sim, escrevia inclinado, como
na escola, quando derreava a letra para lados diferentes uma vez por mês. Primeiro
à esquerda, depois à direita, em seguida empertigada como alguém que se espanta
e levanta da cadeira querendo saber o que se passou mas depois volta à posição
normal, relaxada.
Reta mesmo, apenas de vez em quando, nas
redações. Mas principalmente nas provas de matemática a letra ganhava uma forma
mais particular, com números e alfabeto misturados. Uma equação de formas e
sentidos.
Convocava tudo, a beleza de escrever e a
demora em resolver cálculos. Empregava os recursos expressivos no caderno,
preenchendo a folha de cima a baixo com as respostas. Depois olhava e ficava
admirado que algo tão simples, uma abstração, rendesse tanto. Era também uma forma de fabulação, um modo de
escrita. A letra e o número.
No trabalho escrevo como se mandasse uma
mensagem. Abro o email e finjo que envio, então começo a digitar. Como se cada
coisa escrita tivesse um destinatário único.
Em casa, escrevo ao acaso, reviro coisas
antigas, rascunhos de dois meses atrás, quando o mundo era outro e eu tão
mudado. Como se num palimpsesto também. Clico nos artigos
para o jornal, todos assinados por mim, mas noutro momento. Digito uma tecla, qualquer tecla, e o cursor pisca intermitente em cima de uma
palavra. É o ponto de partida.
Então passo a escrever no meio do já escrito.
Recomeço, refaço, revejo. E invento assim um jeito de retomar a vida em minhas
mãos, de perdê-la conscientemente, de alargar os sentimentos e abarcar um dia como hoje.
O céu tão amplo, o mar estendendo-se de ponta a ponta da vista. Tudo em compasso, tudo como se cumprindo rigorosamente seu papel. Apenas
o vento a esta altura é todo excesso: carrega tudo pra longe, forma dunas
noutra geografia, ata pontas soltas onde nem imaginamos. O vento cuida em desarrumar, levar o leve e trazer o perdido.
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