Desde que se entenda que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra e assim por diante, é impossível se confundir a respeito das diferenças e semelhanças entre uma coisa – jornalismo - e outra coisa – publicidade, pop-ups e afins.
Esse preâmbulo nada teorético
impõe-se a quem quer que se aventure a analisar um produto que aqui vou chamar
de X.
X apresenta-se como experiência
jornalística. Faz uso de reportagens, artigos e ensaios, mostra-se atento aos
movimentos da cidade F. e investe pesado nas mídias sociais, como qualquer
veículo de comunicação faz hoje, além de destinar ampla fatia de dinheiro para
vender-se nos veículos tradicionais de imprensa.
Ocorre que X não é um jornal,
tampouco um site noticioso, menos ainda uma plataforma desinteressada de
narrativas cuja liberdade de publicação vai até onde a vista alcança. X é um
híbrido difícil de definir. Arrisco a dizer que X é um modelo de negócios travestido de hub de narrativas, para usar uma expressão
da moda.
Ora, todo mundo sabe que, com a crise
de financiamento no jornalismo, a qual se acrescenta ainda a crise de modelo, linguagem
e formato, empresas em todo o mundo resolveram operar paralelamente numa região
sombreada: o híbrido publicidade/jornalismo.
A Folha de S. Paulo, por exemplo,
criou recentemente um núcleo de negócios no qual produz peças jornalísticas sob
demanda. É isso mesmo: alguém paga por conteúdo jornalístico produzido obedecendo-se
a critérios definidos por quem está custeando a operação.
Não se trata mais somente de
publicidade. A propaganda antiga, com jeitão de publicidade e destacada do
conteúdo editorial, veiculada nos intervalos da programação ou enxertada numa
página impressa, está ficando pra trás. É quase obsoleta. O lance agora é
imiscuir, juntar, embolar, diluir fronteiras. As empresas ganham. E os
leitores?
É nesse contexto que entra a
experiência de X, uma iniciativa local que parece enveredar por caminho
semelhante. Patrocinado pelas maiores marcas do Ceará, o que constrange de
certo modo sua libertária e algo infantil carta de intenções, X vem se
dedicando a apresentar uma Fortaleza diferente: telúrica, orgulhosa de sua
condição de cearense, ufanista e bairrista. A publicação multiplataforma aponta
para a superação das dificuldades com bom-humor e criatividade.
Até aí, nada de novo. Essa combinação
é o estereótipo clássico: somos pobres, mas somos alegres e engenhosos, fazemos
da escassez um passo de dança, transformamos a falta numa oportunidade etc. As histórias e personagens pinçados do cotidiano da cidade reforçam
a tese de que o cearense é um povo alegre e receptivo e habita uma geografia
abençoada. Basta, para tanto, aprender a enxergar. Reparar. X tem o propósito
de dar a ver um lugar que não vemos.
Mas é precisamente aí que fracassa: ao esbarrar na estreiteza da vista
que consegue abarcar, seja porque esta é a cidade que o conglomerado empresarial
por trás da iniciativa permite, seja porque as outras cidades dentro da mesma
cidade não interessam tanto quanto o fetiche expresso nesse telurismo repaginado que se combina a uma visão edulcorada das relações entre as pessoas.
Ao fim das contas, a experiência transmídia, que diz se bastar no ato simples e orgânico de contar histórias da cearensidade, revela-se um apanhado mais ou menos homogêneo de clichês um pouco mais sofisticados do que as cenografias de programas como "Ceará Caboclo" e "Terral", animados pelo mesmo movimento de descoberta dos talentos que apenas o nosso Estado tem.
Ao fim das contas, a experiência transmídia, que diz se bastar no ato simples e orgânico de contar histórias da cearensidade, revela-se um apanhado mais ou menos homogêneo de clichês um pouco mais sofisticados do que as cenografias de programas como "Ceará Caboclo" e "Terral", animados pelo mesmo movimento de descoberta dos talentos que apenas o nosso Estado tem.