Voltou a circular
na internet uma foto em que a “Iracema da Ecofor” é comparada à verdadeira, a “Iracema
Guardiã”, obra do artista plástico Zenon Barreto. São duas índias bem
diferentes. Uma é a silvícola de Alencar; outra, uma dançarina do Faustão. Uma enverga o arco, artefato indígena utilizado para caça e defesa; outra, um espaguete
flutuador de hidroginástica, muito comum nas piscinas do Sesc.
Ano passado,
por obra da molecagem, as mãos da Iracema foram decepadas. Era a gota d´água no
contínuo processo de desmazelo com o patrimônio. A prefeitura, então, recolheu
a estátua para reforma. A índia passou um tempo na praia da Cofeco, na oficina
do artesão que cuidaria em restituir-lhe as formas originais (!). Só depois chegou
à praia. Era julho de 2012. Ficou dois meses fora do pedestal, curtindo férias
forçadas. Foi tempo suficiente para repensar toda uma existência.
Com o
regresso, porém, veio o susto. A estátua não era a mesma. Lembrava uma matuta que tivesse
voltado chiando do Rio de Janeiro após um mês de viagem. Depois do restauro, a Iracema
da Ecofor ganhou peitos empinados, barriga negativa, glúteos maciços, epiderme eternamente
bronzeada e um arco do tamanho do mundo. Diferente da Guardiã, que acumulava
umas gorduras ali, umas estrias acolá e tinha essa cor mortiça de quem não vai à
praia há séculos, a "novíndia" é moderna: longilínea, fitness, despojada de arestas.
No Facebook,
a extravagância rende gargalhadas há pelo menos um ano. Ontem mesmo ouvi uma
gaiata mangar: essa Iracema foi projetada por Hans Donner, o designer
responsável pelas marcas da Globo, e não por Zenon Barreto. Dei risada, mas
logo desconfiei. Isso é coisa de mulher invejosa, enxergando defeito até nas
estátuas. Mas aí veio outra nativa menos pudica e desferiu golpe ainda mais
baixo: cresceram-lhe até o tabaco.
Isso mesmo,
até o tabaco. Para o cearense mais perspicaz, quando cotejados, o púbis das
índias surge inesperadamente diferente: um ligeiramente mais sovado e exibido; outro
mais sequinho, ensimesmado, como a esconder-se.
Donde se conclui: num cadinho
do corpo das duas Iracema, pequena usina de prazer e de fúria, a grandiloquência e a inabilidade oficiais ficam ainda mais evidentes; a simplicidade crua da arte de Zenon também.