Acima, imagem que está na capa de Formas de volver a casa, livro do Alejandro Zambra ainda não publicado no Brasil.
Fui ler o texto do meu xará Carlos Henrique
e lembrei que também me perdi ainda criança. Tinha 8 anos quando pus minha família
em desespero, embora só recorde mais claramente do choro do pai. Foi o que me marcou
quando cheguei em casa após ser encontrado em outra área da cidade por um amigo
da família que passava de bicicleta. Me pôs na garupa e disse que me levaria de
volta.
Vi o pai com as mãos na cabeça, os
cotovelos fincados na mesa, os cabelos assanhados, cercado pela mãe e outras
pessoas, vizinhos, desconhecidos, gente curiosa, que fareja tragédia a quilômetros. A vó tava num canto da sala, os tios noutro, os primos
maiores sem entender ao certo o que acontecia. Eu finalmente retornava, tranqüilo
entre melancias, depois de perambular pelo bairro ao tentar encontrar um
caminho diferente que me levasse da escola à casa.
Motivo: um amigo e eu havíamos sido ameaçados
por um garoto maior que a gente. Deixamos
a escola certos de que dois meninos podiam com um menino, mas, passado algum
tempo, consideramos a possibilidade de que talvez o garoto maior tivesse
convidado outros garotos maiores ainda para nos esperar passar pela rua de
sempre e então nos surpreender com pontapés e pedradas.
Foi aí que resolvemos tomar outra rota. Ele
partiu numa direção e eu em outra. Nos perdemos. Não posso lembrar por quanto
tempo andei sozinho, mas sei que foi o bastante que para parecesse eterno.
Falei que tinha lembrado disso tudo ao ler o texto escrito pelo CH, mas a verdade é que se trata de um acontecimento difícil de ser
esquecido, não porque tenha envolvido grande drama – de fato envolveu, não para
mim, que ainda era bastante pequeno para compreender, mas para a família e,
principalmente, para o pai.
Ainda hoje, quando olho pra ele dirigindo um carro, o branco dos cabelos avançando como o exército de Hitler na Europa, me vem imediatamente à boca do estômago aquele homem com as mãos erguidas, sem saber por que caminhos o filho desaparecera.
Ainda hoje, quando olho pra ele dirigindo um carro, o branco dos cabelos avançando como o exército de Hitler na Europa, me vem imediatamente à boca do estômago aquele homem com as mãos erguidas, sem saber por que caminhos o filho desaparecera.
O gatilho de memória para essa história é triplo.
Lembro dela sempre que: leio relatos semelhantes, de garotos que se perderam ao
voltar da escola, sair do cinema ou se evadir do shopping; vejo uma bicicleta
Barra Circular, o mesmo modelo no qual fui resgatado; olho pro meu pai por mais de cinco minutos.
Ou, um quarto motivo possível, quando caminho
sozinho e as ruas parecem estranhas, diferentes das ruas que julgamos conhecer, como se fossem ruas com os olhos de uma perdição diária.
Ainda não sou pai, morro de vontade de ser,
tenho cara de pai (juro), sou confundido com pai a todo hora. Talvez por
isso consiga imaginar o desespero do pai naquele final de manhã e por um segundo sentir o mesmo que ele.
Enfim, foi foda, mas amanhã prometo dar um abraço nele. E desejar feliz dia dos pais ao meu pai.
Enfim, foi foda, mas amanhã prometo dar um abraço nele. E desejar feliz dia dos pais ao meu pai.