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Fatos da semana

ZUMBIS PODEM PERFEITAMENTE AMAR, DIZEM ESPECIALISTAS
Como se não bastassem as vendas do Natal e as guirlandas que chegam enviadas por clientes desejando feliz ano novo antes do tempo, ainda há os zumbis que me aparecem sempre, e quase sempre me assustam quando se fingem de mortos, mas todos sabemos que zumbis são 1) criaturas horrorosas que se arrastam pelas ruas à procura de carne, de sangue, de nada mais que carne e sangue em proporções desiguais, e 2) só sossegam quando conseguem alguma porção de ambos que possa satisfazer-lhes parte da fome, conclusão) assim é a vida, mortos de fome correndo desesperadamente atrás do que comer, entretanto ora a fome é algo que se possa driblar? Obviamente não, mas pode-se perfeitamente domesticar a fome e ensinar a fome que não é hora de comer, o que deve comer e, mais importante, por que deve comer. Mas fome que é fome sequer entende palavras, ela come.

CASAL ENCONTRA NOSSA SENHORA, A ESCRITORA PERDIDA
Não há nada de anormal comigo, disse pela terceira vez, quando muito, talvez fosse somente a segunda e na real parecesse a terceira ou a quarta, tanto faz, sei que nos beijamos novamente, ela entendeu que estava de ressaca e chateado com os acontecimentos da noite, sendo assim tinha desconto, nos beijamos outra vez, ela beliscou a ponta da orelha, da minha orelha, um velho cacoete indicativo de que ok as coisas voltaram à normalidade, e saímos de mãos dadas, atravessamos a avenida e olhamos o fundo do canal, pode não parecer, mas quando estamos juntos fazemos coisas inesperadas. E no fundo do canal estava a estátua que todos procuravam na cidade há pelo menos dois meses, a estátua da escritora sentada, mão no queixo, estava pichada, faltava-lhe um braço, a pobre escritora mergulhada no canal de merda da avenida, e nós atravessamos a avenida e informamos ao policial que passava na viatura que uma jovem senhora morria afogada com bosta até o pescoço naquele exato instante, e então ele disse bom, vamos esperar até que a ambulância chegue.

JOVEM ENCASULA-SE POR 24 HORAS E SE NEGA A ATUALIZAR DADOS EM REDE SOCIAL. ESPECIALISTAS ESTUDAM O CASO
O desejo que sentia era de se fechar, e não sair, de se fechar, ficar sozinho, monge, um pássaro cujo nascimento e morte transcorresse integralmente sob as asas da mãe, e não que fosse medo, não que fosse preguiça, não que fosse qualquer coisa reprovável, era apenas uma vontade que tinha de ficar sozinho, e não havia beleza nem substrato para o que quer que fosse na atitude, ele sabia, havia somente a infinita razão que alimentava e que dizia fique, não saia, mas quando sair finja-se alegre e tudo passará ao largo como se fosse natural, e todos o olharão como se soubessem esse rapaz, eu já o conhecia há bastante tempo, embora, você sabe, ninguém se conheça nesse nível, ninguém esteja de fato preocupado ao ponto de.

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Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por

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