Há um sentimento particular que acomete a quem tem origem social nas classes mais baixas e, por golpe de sorte ou esforço próprio, ascende de alguma maneira. Chamo de bloqueio de classe.
Acontece em situações específicas, normalmente de acesso a espaços cuja entrada não se considera como permitida, a exemplo de aeroportos, restaurantes caros, festas glamorosas etc.
Em suma, locais de encontro de uma parcela rica ou candidata a isso, nos quais o dito-cujo ou a dita-cuja se encontra, embora sua presença ali seja um acontecimento, ou seja, um evento contingente, resultado de uma conjunção de fatores extraordinários que resultaram nessa configuração especial.
Para todos os efeitos, ele ou ela não deveria estar lá, ocupando aquele lugar, habitando aquele espaço, conversando com aquelas pessoas e dispondo daqueles confortos, salvo por algum ponto fora da curva que lhe garantiu a possibilidade de escapar ao horizonte profissional familiar.
Isso costuma desencadear ansiedade, fobias, neuroses e fantasias de bloqueio, como a sensação de que se está transgredindo alguma norma não escrita, mas sabida intuitivamente por todos (menos por você), e que, mais cedo ou mais tarde, alguém (um gerente, uma autoridade) vai expulsá-lo dali.
Ocorre também de imaginar que algo não vai dar certo – uma reserva de hotel, um voo, um check-in, até mesmo a articulação em outro idioma quando se viaja para outro país. De repente, a língua trava, as palavras somem, e aquele francês ou inglês ou alemão relativamente fluidos desaparecem, dando vez a uma cacofonia qualquer.
As raízes desse fenômeno são muitas e complexas, mas quase sempre têm relação com a origem social, esse âmbito no qual se formam as pessoas e do qual elas levam bastante mesmo depois de adultas.
Um habitus, digamos assim, que se preserva e que continua a influir sobre o que fazemos e pensamos muitos anos após a infância ou a adolescência. De modo que se pode falar de um habitus interiorano, um habitus periférico, um habitus de uma classe e por aí vai.
O meu habitus de classe baixa, por exemplo, me faz tremer um tantinho sempre que preciso entrar num restaurante mais caro. É como se fossem farejar, já na porta, que não venho de família de bem-nascidos e que, ainda que possa pagar pela comida, não teria direito de estar ali.
Acontece também o contrário, que é quando finjo absoluta naturalidade em ambientes mais sofisticados ou gourmetizados, me fazendo passar como um membro genuíno daquela classe, mesmo não sendo.
Penso nisso ainda quando ocupo espaços cuja travessia é mais confortável para mim: lugares de um circuito cultural (Estação das Artes, Dragão, galerias, bibliotecas, feiras, livrarias etc.), nos quais me sinto à vontade e livre para performar meu papel (homem branco de uma certa classe média fortalezense afeito a esses marcos da cultura).
Mas quem fica de fora nesses lugares? Quem pode efetivamente entrar neles?
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