Isto não é um balanço, mas a
tentativa de entender se o ano foi bom ou ruim. Ou bom e ruim ao mesmo tempo. Ou
nem bom nem ruim, mas algo a meio caminho de uma coisa e outra. Ou qualquer
nome que possa ter um ano como foi 2019, indefinível por natureza como antes
dele foram 2018 e também 2017 e assim retroativamente.
Mas o que fez de 2019 um ano
como apenas 2019 seria?
Nele vivemos todos situações
que, ao pé da letra, são constitutivamente ruins, de modo que no geral é
possível que a temporada tenha sido péssima para a maior parte de nós,
inclusive pra mim, que me vi constantemente entrando na sala dos chefes e
pedindo um adicional de insalubridade que me garantisse sustentação financeira
para fazer o que vinha fazendo, ou seja, tratando de assuntos que eram como o
que resta quando recolhemos o lixo da calçada e sobram aqueles pedaços de
coisas nos quais ninguém tem coragem de encostar a mão.
Essa foi minha matéria-prima
neste ano. O cocô que gruda na sola do sapato de quem anda pela rua e nem
percebe que pisou nessa pasta excrementícia, carregando-a pra lá e pra cá,
espalhando-a pela cidade e levando-a consigo para casa antes de finalmente
despejá-la no cesto do lixo do banheiro embrulhada em muitas camadas de papel
higiênico.
Não há dúvida de que a política
foi ruim, muito ruim de muitas maneiras, e que lidar com isso durante a maior parte
do seu tempo é como integrar as primeiras levas de soldados que chegaram a Chernobyl
logo depois da explosão da usina que projetou material tóxico muitos
quilômetros em todas as direções.
Mas nem por isso 2019 foi um
ano totalmente perdido, um ano unicamente de desgraças e cataclismos como supúnhamos, um ano que todos sabíamos de antemão que levaríamos a pior fosse em
que fosse.
Houve de tudo, é verdade, mas
houve também uma série de coisas que justificam um tipo de felicidade, de fé,
de crença em que a vida, ao cabo e ao fim, pode ter alguma significação, alguma
justificativa que não a mera sequência de fatos ou de segundos.
Quais, eu não sei, mas posso
fazer mentalmente uma retrospectiva de momentos nos quais eu estive feliz
gratuitamente, instantes nos quais falei comigo mesmo sobre como era bom viver
o que estava vivendo e daquela maneira. Coisas miúdas, infrafenomêmicas, que
passam despercebidas no radar no dia a dia.
Eu diria que 2019 foi um ano de
pequenos gestos e palavras de baixa repercussão que ganharam magnitude apenas
depois de algum tempo. Foi um ano que soprou e não gritou, um ano sem histeria
ou alvoroço, um ano em que estive quase sempre a par das coisas que fazia e
cada momento desses era precedido de um outro no qual eu imaginava como seria o
seguinte, e tudo se dava dentro de um espectro no horizonte que não é
exatamente previsibilidade, mas planejamento e, arrisco dizer, disciplina, esse
monstrengo em forma de proparoxítona que abomino mas de que me sirvo quando
preciso garantir que algumas coisas saiam como eu desejo que saiam.
Então, é possível que em 2019 a vida tenha tenha sido como eu imaginei que seria, tudo no seu devido lugar, e isso
é bom de vez em quando.
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