Com ar pesaroso, o garçom aponta a
televisão e diz que a outra também foi mutilada, e por mutilada quer dizer que alguém ia
passando na rua e resolveu apedrejar os dois aparelhos, aparentemente sem razão
para tal, de maneira que agora o homem de cabelo cortado bem rente ao couro me
encara como se buscasse investigar na minha incipiente reação facial o quão fundo
aquela informação parecia ter batido, e qual não é a sua surpresa quando sorrio
e digo sem medo de ser feliz “as pessoas ficam realmente possuídas na festa de
Momo”, antecipando-me, portanto, à tentativa do garçom de talvez não procurar
culpados, mas de checar as consequências da narrativa que acabara de contar, e
foi nessa hora que, preferindo encurtar a conversa a continuar naquele jogo
de gato e rato, pedi um prato executivo de filé à parmegiana, que é o que
sempre peço naquele restaurante.
Coleciono inícios, restos de frases, pedaços e quinas das coisas que podem eventualmente servir, como um construtor cuja obra é sempre uma potência não realizada. Fios e tralhas, objetos guardados em latas de biscoito amanteigado, recipientes que um dia acondicionaram substâncias jamais sabidas. Se acontece de ter uma ideia, por exemplo, anoto mentalmente, sem compromisso. Digo a mim mesmo que não esquecerei, mas sempre esqueço depois de umas poucas horas andando pela casa, um segundo antes de tropeçar na pedra do sono ou de cair no precipício dos dias úteis. Às vezes penso: dá uma boa história, sem saber ao certo de onde partiria, aonde chegaria, se seria realmente uma história com começo, meio e final, se valeria a pena investir tempo, se ao cabo de tantos dias dedicado a escrevê-la ela me traria mais felicidade ou mais tristeza, se estaria satisfeito em tê-la concluído ou largando-a pela metade. Enfim, essas dúvidas naturais num processo qualquer de escrita de narrativas que não são