Com ar pesaroso, o garçom aponta a
televisão e diz que a outra também foi mutilada, e por mutilada quer dizer que alguém ia
passando na rua e resolveu apedrejar os dois aparelhos, aparentemente sem razão
para tal, de maneira que agora o homem de cabelo cortado bem rente ao couro me
encara como se buscasse investigar na minha incipiente reação facial o quão fundo
aquela informação parecia ter batido, e qual não é a sua surpresa quando sorrio
e digo sem medo de ser feliz “as pessoas ficam realmente possuídas na festa de
Momo”, antecipando-me, portanto, à tentativa do garçom de talvez não procurar
culpados, mas de checar as consequências da narrativa que acabara de contar, e
foi nessa hora que, preferindo encurtar a conversa a continuar naquele jogo
de gato e rato, pedi um prato executivo de filé à parmegiana, que é o que
sempre peço naquele restaurante.
Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...