Vi O som ao redor,
longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, no fim de semana. Segue alguma
opinião.
Pontos fracos: o panfletarismo sutil e um sociologismo
diluído.
Exemplo: uma mulher, interessada em alugar um apartamento, desiste
ao saber que ali, no condomínio, se suicidara uma jovem. À escrotidão da personagem (branca, bonita, classe média alta), que tenta barganhar no preço do aluguel e
na taxa do condomínio amparando-se no sinistro fato de que o lugar carregava a o
estigma do suicídio, contrapõe-se a inocência da filha de 12 ou 13 anos. Postada
na varanda do apartamento, a menininha assiste a um garoto de mesma idade, mas
classe social inferior, jogar bola no vão do prédio ao lado.
O garoto embarca a bola. A garota quer ajudá-lo, mas a mãe a
impede. As duas vão embora. A menina, praticamente arrastada. A mãe, enojada.
Nova cena de condomínio. Como no primeiro, representantes da
classe média alta expõem-se em toda a sua vileza. Os condôminos decidem, quase por
unanimidade, demitir o porteiro do prédio sob a justificativa de que o velho
empregado tem executado mal os seus serviços, dormindo no trabalho. A sutileza
é aqui inexistente. Todos, com uma ou outra exceção, se comportam como bandidos
e canalhas inescrupulosos.
Ao longo do filme, o diretor pernambucano destacará a classe média com essa mesma tinta caricatural.
Lateralmente e de maneira fugidia, O som ao redor também resvala nos temas
da repressão sexual, do consumismo e da predação imobiliária, responsável por
atropelar a memória de uma cidade (Recife).
Um último ponto fraco: o protagonista é de uma apatia assustadora.
Passeia por ruas e cômodos como se não tivesse qualquer responsabilidade sobre
o que acontece. Rico, herdeiro da abastança açucareira, mantém relação cordial
com os filhos das domésticas. E só. Na reunião de condomínio, fará uma débil
oposição à demissão do porteiro. Em casa, pedirá à empregada que passa roupa para calçar os chinelos. Preocupação autêntica?
É um homem sem projeto, sem crítica, sem finalidade. Um perdido.
Ocupa-se de algum problema apenas quando diretamente afetado por ele. Limita-se
a reagir.
Peço heroísmo nos moldes das HQs? Um protagonista à Capitão
Nascimento? Queremos um super-herói contra as injustiças do mundo, mas Kleber
Mendonça nos apresenta um farrapo humano, alguém mais preocupado em juntar os
caquinhos de um coração despedaçado enquanto desfila condescendência pelas ruas
e avenidas vazias do bairro nobre, o próprio decalque ambulante do “homem
cordial”?
Em tempo: vejo panfletarismo na forma caricatural de tratar problemas
sociais. E sociologismo diluído quando o filme conclui, inclusive recorrendo à
colagem de imagens de negros na lavoura: desde o período colonial, as relações
sociais no Brasil não se moveram um milímetro. Há um dono das terras, as negras
seviciadas, os capatazes, a prole numerosa, o senhorzinho inconsequente que
espanca escravos, a ampla rede protetora que se irradia a partir de um centro
patriarcal.
Ponto forte: duas cenas, ambas envolvendo a mesma personagem
(Bia).
Minha conclusão: atire na classe média – nem que, para tanto,
seja preciso esquecer totalmente a generosidade na condução dos personagens, a
ponto de torná-los unidimensionais. Os festivais de cinema adoram.