Francis Santiago
Na última semana, o Alencarino Comum chegou a Paraty (RJ, litoral fluminense), quermesse anual da brasilidade illustrée, disposto a parecer intelectualmente febril e interessante, mas só conseguiu levar esbregues de taxistas. Eles lhe diziam: “Ande pela calçada, porra!”, recomendação que o Alencarino Comum sequer ouvia. De fato, percorria ruas e avenidas da cidade histórica dividindo espaço com carros e motos, hábito adquirido ao longo dos anos na sua metrópole-mãe, Fortalcity. Cumpria essa sina genética menos por falta de educação que por insistência em reafirmar sua identidade cultural cearense. Um resistente antropofágico, por certo.
Mas há outra razão para que o Alencarino Comum tenha dado de ombros ao ser fustigado por azedos impropérios vindos dos aristocráticos condutores de Paraty. No fundo, a vibração intensa dos acordes mais íntimos de sua alma violácea, tocados pelo frio e pela beleza do lugar, diminuía a inaptidão para a vida entre pessoas fundamentalmente avant la lettre: velhotas rugosas & encasacadas, nuvens de crianças rumorosas, tempestades de adolescentes de olhar esgazeado e cheios de uma indolência que, julgou, devia-se à presença massiva de café, cigarro, livros e de outros jovens com o mesmo espírito anacronicamente romântico.
De modo que o Alencarino, um desses rapazes insuportavelmente comuns, sentiu-se deslocado e bastante à vontade em medidas proporcionais. Engolfado pela alta cultura letrada e pelo preço dos pasteizinhos de carne (R$
Ao longo do magnânimo evento literário, durante o qual viu Alessandra Negrini e uma mulher de peitos incrivelmente grandes e extremamente pontudos (um pensamento solto que ocorre agora), aderiu de mente e coração a compridas romarias para garantir o cafezinho gratuito. Afinal, a total entrega ao consumo da bebida, distribuída de graça por um grande jornal do seu País, fazia-o sempre entender que a gatunagem doirada em verniz de sofisticação está presente nas vastas campinas do mundo gourmet-dândi-gorduroso-acadêmico-cultural-jornalístico.
Após quatro dias de intensa folia literária, já endivididado, e perscrutado ao longe por uma pilha de fotografias defronte a igrejas, lagos, rios, praias, restaurantes e mesas graciosas dispostas ao correr do pedregoso calçamento de Paraty, o Alencarino Comum decidiu que bastava. Tirou duas cuecas, duas blusas, casaco, boina, luvas e meias contra o frio inimigo que açoitava aquele pedaço de litoral. Totalmente nu, voltou a percorrer ruas e avenidas, agora na calçada. Um taxista o aconselhou a vestir-se. A polícia não estava para brincadeiras.
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