WINSLET A UM PASSO DO OSCAR
O LEITOR, LONGA-METRAGEM DE STEPHEN DALDRY, TEM CINCO INDICAÇÕES AO OSCAR, MAS APENAS UMA CUJO RESULTADO VEM SENDO CONSIDERADO JUSTIFICADAMENTE PREVISÍVEL: MELHOR ATRIZ PARA KATE WINSLET
HENRIQUE ARAÚJO>>>ESPECIAL PARA O POVO
Às vésperas da cerimônia de entrega do Oscar, o prêmio concedido pela indústria de cinema norte-americana aos melhores do ano, uma categoria vem sendo gradualmente preenchida com um único nome. Após vencer o Globo de Ouro de Melhor atriz por O Leitor, de Stephen Daldry, Kate Winslet, que interpreta uma ex-guarda da polícia nazista à deriva numa Alemanha que revisa a contrapelo o próprio passado, expurgando os culpados pelo holocausto contra os judeus, tem grandes chances de levar para casa a sua primeira estatueta. Com um trabalho impecável, uma personagem moral e eticamente complexa e um tema que nunca sai de moda, Winslet talvez precise apenas esperar mais um pouco antes de sorrir, agradecer a todos os que foram importantes para que tudo acontecesse dentro dos conformes e sair de cena, arrastando um vestido luxuosíssimo. E, claro, empunhando o bonequinho dourado.
Baseado no romance homônimo escrito pelo alemão Bernhard Schlink, o longa de Daldry, que tem outras quatro indicações na manga – Melhor filme e Melhor diretor são duas delas – é, grosso modo, Kate Winslet. Sua atuação arrebata do início ao fim. Sim, a fotografia é bela, o jovem David Kross (Michael Berg aos 15 anos) não foge da raia e, embora tenha ocultado pontos-chave do livro e dessa forma contribuído para que o filme assumisse uma áurea soft, distante da têmpera mais cerebral aplicada à obra por Schlink, o roteiro de David Hare mereceu a indicação ao Oscar. Mas nada disso emparelha com os esforços de Kate Winslet para dar vida à personagem Hanna Schmitz. No filme, Hanna, 36 anos, vive um romance intenso com o adolescente Michael, 15. Entre uma carícia e outra, ela interessa-se pelos livros que o amante estuda na escola. Não demora, e o pedido vem: por favor, leia em voz alta para mim. Apenas fetiche? Talvez não.
O Leitor é feito em dois tempos: a narrativa presente é conduzida por um Michael Berg já mais velho, bem-sucedido, mas não inteiramente recuperado. Num flashback contínuo, ele vê o rosto de Hanna, seu corpo, seu vestido, seu sorriso. Mesmo no tribunal, o jorro de memórias traz Hanna até ele, enredando-o em um jogo que envolve culpa e justiça, paixão e verdade. O segundo tempo da história parte do marco inaugural da relação entre Hanna e Michael. Seu clímax é a sessão em que ex-guardas das SS serão julgadas por seus crimes. Lá, Michael, agora um estudante de direito de 22 anos, depara com uma ré absolutamente familiar. Ela está na linha de tiro do juiz que preside à sessão e não parece ter a menor habilidade para contornar os obstáculos. Ele está do outro lado do balcão, sentado numa das tantas fileiras do fórum. Assiste ao julgamento como parte das atividades da faculdade.
Perguntas são inevitáveis: de que lado está a verdade? Quem são os culpados? Longe de aplicar nuances relativistas aos crimes de guerra cometidos por Hitler e seu aparato militar, O Leitor lança a dúvida: por que somente agora toda essa sujeira veio à tona? E por que apenas seis mulheres estão sendo julgadas? De muitas maneiras, as fronteiras são borradas, e o processo de higienização das consciências da geração de alemães que conviveu com a realidade e a concretude dos campos de concentração é momentaneamente interrompido. Culpados e inocentes trocam de lugares na sala. Descobre-se que a indiferença generalizada pavimentou grande parte dos assassinatos em massa levados a cabo. Em O Leitor, a revisão do passado alemão é feita sob perspectivas antes ignoradas. Entretanto, Stephen Daldry apenas toca o iceberg de questionamentos que a obra de Schlink apresenta. Em alguns momentos, o filme limita-se a seguir de perto a via-crúcis de Hanna Schmitz. Seus dramas são elevados ao primeiro plano. Em alguma medida, é como se o que fosse secundário no livro ganhasse ares de nobreza no filme. De um modo ou de outro, Kate Winslet está lá para pagar o espetáculo.
O LEITOR, LONGA-METRAGEM DE STEPHEN DALDRY, TEM CINCO INDICAÇÕES AO OSCAR, MAS APENAS UMA CUJO RESULTADO VEM SENDO CONSIDERADO JUSTIFICADAMENTE PREVISÍVEL: MELHOR ATRIZ PARA KATE WINSLET
HENRIQUE ARAÚJO>>>ESPECIAL PARA O POVO
Às vésperas da cerimônia de entrega do Oscar, o prêmio concedido pela indústria de cinema norte-americana aos melhores do ano, uma categoria vem sendo gradualmente preenchida com um único nome. Após vencer o Globo de Ouro de Melhor atriz por O Leitor, de Stephen Daldry, Kate Winslet, que interpreta uma ex-guarda da polícia nazista à deriva numa Alemanha que revisa a contrapelo o próprio passado, expurgando os culpados pelo holocausto contra os judeus, tem grandes chances de levar para casa a sua primeira estatueta. Com um trabalho impecável, uma personagem moral e eticamente complexa e um tema que nunca sai de moda, Winslet talvez precise apenas esperar mais um pouco antes de sorrir, agradecer a todos os que foram importantes para que tudo acontecesse dentro dos conformes e sair de cena, arrastando um vestido luxuosíssimo. E, claro, empunhando o bonequinho dourado.
Baseado no romance homônimo escrito pelo alemão Bernhard Schlink, o longa de Daldry, que tem outras quatro indicações na manga – Melhor filme e Melhor diretor são duas delas – é, grosso modo, Kate Winslet. Sua atuação arrebata do início ao fim. Sim, a fotografia é bela, o jovem David Kross (Michael Berg aos 15 anos) não foge da raia e, embora tenha ocultado pontos-chave do livro e dessa forma contribuído para que o filme assumisse uma áurea soft, distante da têmpera mais cerebral aplicada à obra por Schlink, o roteiro de David Hare mereceu a indicação ao Oscar. Mas nada disso emparelha com os esforços de Kate Winslet para dar vida à personagem Hanna Schmitz. No filme, Hanna, 36 anos, vive um romance intenso com o adolescente Michael, 15. Entre uma carícia e outra, ela interessa-se pelos livros que o amante estuda na escola. Não demora, e o pedido vem: por favor, leia em voz alta para mim. Apenas fetiche? Talvez não.
O Leitor é feito em dois tempos: a narrativa presente é conduzida por um Michael Berg já mais velho, bem-sucedido, mas não inteiramente recuperado. Num flashback contínuo, ele vê o rosto de Hanna, seu corpo, seu vestido, seu sorriso. Mesmo no tribunal, o jorro de memórias traz Hanna até ele, enredando-o em um jogo que envolve culpa e justiça, paixão e verdade. O segundo tempo da história parte do marco inaugural da relação entre Hanna e Michael. Seu clímax é a sessão em que ex-guardas das SS serão julgadas por seus crimes. Lá, Michael, agora um estudante de direito de 22 anos, depara com uma ré absolutamente familiar. Ela está na linha de tiro do juiz que preside à sessão e não parece ter a menor habilidade para contornar os obstáculos. Ele está do outro lado do balcão, sentado numa das tantas fileiras do fórum. Assiste ao julgamento como parte das atividades da faculdade.
Perguntas são inevitáveis: de que lado está a verdade? Quem são os culpados? Longe de aplicar nuances relativistas aos crimes de guerra cometidos por Hitler e seu aparato militar, O Leitor lança a dúvida: por que somente agora toda essa sujeira veio à tona? E por que apenas seis mulheres estão sendo julgadas? De muitas maneiras, as fronteiras são borradas, e o processo de higienização das consciências da geração de alemães que conviveu com a realidade e a concretude dos campos de concentração é momentaneamente interrompido. Culpados e inocentes trocam de lugares na sala. Descobre-se que a indiferença generalizada pavimentou grande parte dos assassinatos em massa levados a cabo. Em O Leitor, a revisão do passado alemão é feita sob perspectivas antes ignoradas. Entretanto, Stephen Daldry apenas toca o iceberg de questionamentos que a obra de Schlink apresenta. Em alguns momentos, o filme limita-se a seguir de perto a via-crúcis de Hanna Schmitz. Seus dramas são elevados ao primeiro plano. Em alguma medida, é como se o que fosse secundário no livro ganhasse ares de nobreza no filme. De um modo ou de outro, Kate Winslet está lá para pagar o espetáculo.
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