Pensei em riscar algumas palavras do léxico de 2025, a começar por “mentoria” e seus derivados (mentor, mentorado e por aí vai), mas não sei se conseguiria concluir o ano que nem se iniciou sem fazer alusão ao vocábulo, onipresente e versátil sob sua manta de tecnicidade descolada e luminosa, acessível e mistificadora ao mesmo tempo.
Desisti, afinal, porque a economia das trocas cumpre o trabalho por si, ou seja, o próprio uso (ou desuso) cotidiano se encarrega de pendurar toda terminologia aparentemente sem finalidade, senão a de parecer sumamente moderna e inteligente sem sê-lo.
Resolvido o impasse da mentoria, que pus de lado para evitar aborrecimento em demasia, passei então ao “hiperfoco”, outro termo que tenho ganas de atirar longe sempre que o ouço. Foi só pronunciá-lo, contudo, que desenvolvi eu mesmo um hiperfoco no hiperfoco (atenção excessiva e injustificadamente concentrada num objeto qualquer, de preferência irrelevante e sem qualquer efeito prático no dia a dia, mas para cuja decifração se dedica uma fatia de tempo desarrazoada).
De cara, quis saber por que a noção se popularizou em tempos de déficit de atenção. Logo imaginei: faz todo sentido que o hiperfoco – instrumentalizado, circunstancial e descompromissado – tenha se convertido no esporte olímpico da nova geração, a mesma para a qual a ideia em si de foco sistemático é desfocada ou démodé.
Desconfiado e à mercê de um interesse também oscilante entre uma coisa e outra, deixei na gaveta essa “narrativa” – palavra sobre a qual prefiro não dizer mais nada – e dei sequência à marcha inexorável do cancelamento, ele mesmo hoje cancelado.
Cheguei, de tal sorte, aos simpáticos “times” em substituição a “equipes de trabalho” e ao uso escandalosamente normalizado de “líder” no lugar dos inamistosos “patrão” e “chefe” de antigamente.
O que me levou a concluir que 2024 parece ter sido o ano de um escambo semântico que consolidou a eufemização como gesto político por excelência, num tipo de negacionismo linguístico.
Em bom português, as relações de classe escamoteadas, numa espécie de “lavagem vernacular”, procedimento por meio do qual os interesses divergentes de grupos de mando e subalternos se disfarçam mediante essa corporativização da linguagem.
Em resumo, é a língua sendo talhada e algoritmizada ao vivo por quem detém poder e a quem interessa sobretudo fazer passar gato por lebre, recobrindo os atos de fala e de escrita (toda a comunicação institucional) por camadas e mais camadas de misticismo capitalista.
Daí que as tarefas de um gestor, seja público ou privado, tenham se convertido em “entrega” como se por encanto, atenuando o caráter processual das negociações e tensões embutidas e dando todo o peso do mundo ao produto final.
Porque é bem isso que entregar quer dizer, isto é, que o intercâmbio – o conjunto das interações – supõe uma clientela que se pretende atender, numa mercadorização da administração em todos os níveis, deixando-se de escanteio as arestas e zonas cinzentas de qualquer atividade. Assim, tanto o vereador quanto o prefeito/secretário e o jovem “startupeiro” se esbaldam nesse jargão “pejotizado”, certos de que fazem avançar a quintessência do radical-chic em termos de expressão, quando apenas replicam cacoetes da patronagem.
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