Uma catraca duplicada, com pavimento superior e feitio de puxadinho, de modo que não se possa atravessá-la com mochila às costas, por exemplo, tampouco carregando-se sacolas de compras ou uma criança de braço.
Uma catraca a serviço do suplício, como se vê, inventada certamente por quem tenha estudado esses instrumentos medievais dos quais os carrascos se serviam nas suas lidas de infligir dor e desespero aos citadinos daquela época.
Exagero? Então tome-se de coragem e apanhe um ônibus na porta de casa, desassombrado (a) leitor (a), embarcando nessa nau desconfortável e quente, ao preço de módicos R$ 4,50, para uma volta pela urbe prestes a soprar velinhas.
A catraca-duplex, porém, é dispositivo todo nosso. Tecnologia de controle made in Fortaleza: incongruente e exclusivista. Uma gambiarra que contraria qualquer noção de bem-estar e cuja razão de ser é tornar ainda mais penosa a travessia do usuário, já maltratado e premiado com recente aumento do bilhete.
Visualmente, trata-se de monstrengo pré-Declaração dos Direitos Humanos. Item de péssimo gosto e que só faz sentido quando se tem em conta eventuais perdas financeiras (não justificáveis), uma vez que, supõe-se, destina-se a dificultar o salto do gaiato ou do descuidista que embarca nas paradas sem um tostão furado no bolso.
Isso mesmo. Aquilo que, nos tempos idos, também se fazia, mas esgueirando-se sob a borboleta, arrastando-se enquanto o cobrador se distraía em alguma conversa entabulada com moça mais vistosa e o motorista se mantinha compenetrado no que ia à sua frente, cioso da placa “fale somente o necessário”.
Como os condutores agora estão sozinhos nessa empreitada rodoviária, restou aos donos de empresas fazer instalar essa arapuca anitiergonômica, mandando às favas a sua clientela e fazendo da experiência de andar por Fortaleza uma gincana de exaustão física e mental.
Mas o que isso tem a ver mesmo com as faixas de pedestre? Em tese, nada. Salvo quando se pensa nessa nova modalidade de faixa, iluminada e bem situada naquele quadrante da metrópole fora do qual tudo é periferia.
Enquanto no transporte público impera certo laissez-faire, no enclave que é a Aldeota – sempre lá –, a boa educação experimenta plataformas de notável índice civilizacional: uma faixa cujas listras se iluminam à medida que o gracioso pedestre, tal qual um gnu na savana à vista dos leões, caminha de ponta a ponta.
Tudo muito bonito e instagramável, empacotado como signo de um zelo admirável com o nativo, que tem sobre sua cabeça um holofote que o acompanha aonde vá, estrela de uma passarela cabocla que leva da “praça do negacionismo” ao calçadão.
Agora é esperar que a novidade chegue ao Siqueira e à Messejana, ao Zé Walter e ao Barroso, sem descuidar da Barra do Ceará e do meu Joaquim Távora, que carece tanto de faixas quanto os aldeotinos e outras gentes para quem a taxa do lixo é apenas o troco do lanche das crianças.
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