Numa entrevista fictícia com o ChatGPT, eu lhe faço perguntas triviais, tais como o que é “vergonha alheia” ou “biloto”, e lanço comandos inesperados e mesmo ilógicos, como a definição de “vaia cearense”, uma variante exótica do fenômeno pouco conhecida fora do estado.
Como se trata de um suprassumo tecnológico, um Pinocchio maquínico, capaz de façanhas num piscar de olhos, sócio-majoritário de um sem-número de HDs de dados armazenados, suponho que, em algum cadinho de seu emaranhado algorítmico, haja uma solução para a minha indagação moleque, cujo propósito é não apenas medir o grau de conhecimento, mas de malícia.
Afinal, máquinas sabem vaiar?
A inteligência artificial, porém, se embaraça, tropeça nas palavras, alega estar em processo contínuo de aprendizagem, diz que em breve poderá ter todas as respostas a essas e outras questões e que sem dúvida o seu intuito é auxiliar, oferecendo informações precisas sobre quaisquer assuntos. Sei.
Isso soa como qualquer adulto apanhado em flagrante: arranja uma desculpa e sai pela tangente. Mas sobre a vaia mesmo, nada, não podia ajudar, infelizmente, fica pra próxima, na volta a gente compra etc.
Ao menos nisso, porém, já se pode afirmar com segurança que o robô é superior aos humanos: quando não sabe, mesmo que numa humildade computacional e artificialmente programada, diz que não sabe, não enrola, não finge nem inventa.
Mas o ChatGPT não é meramente um gerador de lero-lero, como muita gente tem pensado, comparando-o a um desses brinquedos da Tec Toy com um pouco mais de memória. É mais que isso.
Tampouco se confunde com o tipo de inteligência do homo sapiens, baseado na noção de plasticidade e numa organicidade por enquanto irreproduzíveis, das quais esses dispositivos conseguem fazer somente imitações mecânicas, procedendo da mesma maneira (vasculham imensidões de bites e combinam peças). É menos que isso.
Entre esse mais e esse menos, o que ele é, então?
É precisamente essa indecidibilidade em relação à pergunta que tem gerado desconforto e receio sobre o futuro. Não porque não se saiba o que é esse artefato, a que chamamos genericamente de máquina ou construto, mas pelo que ele promete de ultrapassagem de uma linha que se supunha estar mais demarcada do que de fato está.
Falo da linha que separa a gente de um lado e a máquina do outro, eles e nós.
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