Eu não queria rir, digo pra minha mãe ao lhe mostrar a foto da criança que fui mais de 30 anos atrás. Nela pareço muito feliz, o sorriso armado de orelha a orelha, vestindo uma camisa de festa de mangas compridas porque era assim que o pai queria me ver.
Meu aniversário de cinco anos. Lembro de desfilar com ele me carregando no braço, passando de mesa em mesa no terreno ao lado da casa onde mandou instalar luzes escoradas por estacas debaixo das quais os convidados ficavam sentados esperando a comida, porque num aniversário de criança não se espera outra coisa além de comer.
Depois os presentes, retirados das caixas com pressa, um boneco, um avião da Varig que minha madrinha tinha dado. Brinquei com ele por muito tempo, arremetendo e pousando no corredor da casa pequena no bairro onde a gente era vizinho de um radialista que morava num palacete, mas que depois descobri que vivia num imóvel como tantos outros, o nosso é que era minúsculo.
A mãe tinha me obrigado a sorrir. Eu não queria, talvez por cansaço, talvez porque tinha a intenção de brincar ou de dormir. Estava muito sério quando finalmente resolveram me fotografar sentado na cama ladeado por caixas e caixas. Não muitas, mas também não poucas, naquela medida da nossa pobreza, uma quantidade intermediária.
Éramos o que se chama de remediados. O pai, não lembro com que trabalhava na época, talvez já fosse garçom ou cobrador de ônibus, não sei. A mãe ocupava-se com as coisas de casa, mas tinha estudo. Formara-se na Escola Técnica, cantava e arranhava o francês. Eu via TV e ia à escola, nos fins de semana corria com o pai na base aérea.
Gostava desse nome: base aérea, que me fazia pensar, sem que ainda pensasse de fato, num lugar de fantasia onde veríamos pousos e decolagens. No mais não me animava o esforço físico que meu pai talvez quisesse me impor, seja pelo exemplo – treinava boxe e corria –, seja indicando atividades que poderia fazer enquanto ele se exercitava.
Então o dia acabou, também não recordo de que maneira, imagino que como qualquer aniversário de criança: com tios bêbados ficando pelos cantos, uma ou outra coisa dita e que ficara atravessada, uns excessos que se toleram quando a família se junta e bebe por um bom tempo.
Procurei e encontrei a foto nesta segunda, 11/10, véspera do Dia da Criança. Para assinar uma matéria que sairia na terça, queriam uma imagem de quando era menino. Tenho muitas na casa da mãe, nos álbuns já velhos e comidos pelo tempo, parte guardada e salva, parte perdida. No celular, porém, apenas essa.
Foi a que enviei, a foto do sorriso que eu tivera dificuldade de armar, a camisa de linho azul ou um tecido que imitasse a nobreza desse pano. A calça branca e o sapato bico fino. Minha irmã havia morrido de pneumonia dois anos antes. Minha segunda irmã não tinha nascido ainda. Estava sozinho, portanto.
Às vezes olhamos essas fotos e rimos, na hora do almoço me junto a minha mãe, vamos apontando defeitos e lembrando episódios, o passado não nos comove, mas temos uma saudade compartilhada de certo tempo vivido, mesmo na falta.
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