Outro dia publiquei uma foto de pôr do sol na praia enquanto esperava na fila da sorveteria. Uma imagem convencional, nada que outras não tivessem. Não estava ali pelo passeio, mas pelo sorvete mesmo. Quando me virei, o céu estava matizado de violeta, laranja e azul, como se alguém tivesse esbarrado no tinteiro em cima da mesa e as colorações se misturado numa tela imaginária ao cair. Nada poético, apenas expressão de uma certa ideia de aleatoriedade com um resultado bonito que despertava curiosidade tanto pela extravagância da combinação quanto pela intuição do caminho que o artista seguira até ali.
Foi só depois de olhar a foto pela segunda vez que reparei no monumento ao fundo, um obelisco inclinado em cuja sombra, quase quarenta anos atrás, eu fui carregado nos braços da minha mãe, que apontava para ele e tentava inutilmente explicar a uma criança por que um cigarro metálico imenso fora colocado no meio do calçadão e o que esse episódio poderia significar.Embora não entendesse absolutamente nada de história ou arte aos 5 anos de idade, fiquei maravilhado com aquele canudo curvado bem na minha frente. Havia duas reações que se imiscuíam: essa que temos diante de coisas grandiosas, cuja escala supera a nossa própria muitas vezes. E o inusitado da forma, um desconcerto para o qual eu não estava preparado, porque nenhuma criança jamais imagina que possa um dia estar diante de algo como aquilo, um objeto em tudo tão despropositado e fora do compasso, como se um de nós tivesse escapado do controle de adultos e feito o que não deveria na calada da noite, como riscar a geladeira com giz ou escavar o jardim com uma pá e enterrar os livros da escola.
Eu voltaria ali muitas vezes ao longo da vida, em fases e momentos distintos, ora sozinho, ora acompanhado, mas mesmo de passagem a impressão era de que uma força alienígena havia estado naquele pedaço da cidade e construído o artefato, que se destinaria a alguma missão não revelada até agora.
O obelisco não era uma obra pública em formato de interceptor oceânico do final dos anos 1970, como fiquei sabendo depois de tanto tempo.
O que era, então?
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